O projeto surge como uma procura para dar “voz” àqueles que não se conseguem fazer ouvir. De uma forma respeitosa, dar a transmitir os seus ideais, as dificuldades que lidam diariamente ao outro [àquele que ouve] e caso seja bem conseguido, poder transmitir ao ouvinte essa realidade, movendo-o a agir em prol de uma sociedade unida e cooperativa [utopia?].
Conviver com pessoas com deficiência auditiva profunda tem me suscitado bastante interesse em poder criar algo relativo a essa realidade e de alguma forma poder auxiliar outros a compreendê-la. Levantar problemas de carácter de comunicação social e de inserção de um pequeno grupo, expondo-o ao outro (ao que ouve) essas dificuldades. Para tal, de uma forma inicial um dos primeiros passos poderá passar pela introdução do desconforto no observador. Criar situações de confusão, de não compreensão da narrativa.
Para todos aqueles que nasceram a ouvir, mesmo que acabem por perder a audição com a idade ou por algum problema de saúde, ou ainda, caso tenham uma vaga memória do som já escutado outrora, não é de todo possível perceber de uma forma completa aqueles que nunca ouviram um único som na vida [surdo de nascença]. Durante o primeiro exercício realizado, rapidamente me apercebi de que por muito que eu anule o som com dispositivos externos, tais como abafadores ou tampões de ouvidos, ouvirei sempre as frequências mais altas do que me rodeia, ou até mesmo o bater do meu próprio coração ou do meu respirar. Propus-me a trabalhar sobre este tema pois durante alguns anos tenho convivido com pessoas com deficiências auditivas profundas, percebendo quais os seus principais problemas de interação social e cultural, as bases da comunicação, e como consequência, na área da criação artística. O interesse em criar projetos artísticos que incluíssem a comunidade surda, como forma participativa ou colaborativa, fora algo que me propus a trabalhar este ano. Compreender a sua realidade e expô-la ao outro [àquele que ouve] fora um dos objetivos principais para o desenvolvimento de outros projetos.
O objetivo desde o início de projeto fora de realizar um video que pudesse passar uma mensagem aos ouvintes sobre o mundo dos surdos, dos gestos e da dificuldade na comunicação entre os dois grupos. Com o auxilio de dois colegas que me ajudaram nas filmagens e nas partes técnicas de captação de imagem, a Ana Paula Figueiredo e o Paulo Santos , inicialmente percebemos que o espaço exterior, o jardim da associação seria um local perfeito para os planos principais. Um grupo de aproximadamente 30 pessoas, algumas totalmente surdas, outras parcialmente, moviam as suas mãos e proferiam sons simplificados, porque quando nos deparamos com conversas entre pessoas surdas, o som existe, saindo das suas bocas e das suas mãos sons tais como o estalar dos dedos, bater com as mãos no seu corpo, o próprio movimento dos corpos a se expressarem reproduzem som. Eu já tinha experienciado momentos como esse, mas para os meus colegas talvez tenha sido a primeira vez. O que aconteceu fora realmente um trabalho simples, bastante amador e humilde, com algum sentimento de invasão do espaço que era deles e que é lhes é sensível, e que fora um pouco invadido por “3 jovens artistas”, como eles nos chamavam, o que senti com essas denominações sensações amistosas que me sossegavam. Quando chegamos expus o projeto a todos em LGP e pedi que caso eles se sentissem à vontade em frente das câmaras, pudessem se expressar, contar um história, contar uma curiosidade sobre algo do passado, sobre eles ou sobre as suas vivencias. Identificando e dando “voz” àqueles que não são ouvidos. Numa fase inicial, procurei por captar apenas os gestos, o movimento das mão em conversas paralelas ou em grupos, tentando-me apartar desses enquadramentos. Uma das dificuldades fora criar algumas situações que pudessem construir uma narrativa visual artística e cenários que pudessem ser sugestivos da mensagem que quisera explorar, mas ao mesmo tempo não me apropriando demasiado do espaço que lhes pertence, não causando qualquer desconforto maior do que a nossa presença e não manipulando as suas ações. Como resultado, alguns prontamente quiseram ajudar fazendo parte do projeto e em sintonia com a proposta lançada, gravaram os seus rostos em plano principal, falando abertamente para a câmara. Um dos grandes momentos das gravações, fora quando propus a um dos participantes que entrasse numa espécie de abrigo ripado a madeiras, e que permanecesse dentro dele, gestualizando com as mão expostas, e a câmara permanecendo de fora do espaço. Penso que a sensação que procurei e que o próprio espaço sugeriu, fora uma sensação visual de prisão, de tentativas de comunicação vãs, servindo talvez como metáfora para o tema do projeto. Uma forma poética e dramática, talvez até mesmo bastante agressiva visualmente, mas necessária para a transmissão de uma realidade distante daquele que ouve. No final do dia, analisou-se aquilo que fora gravado e todos os planos que foram capturados, todos os movimentos, todas as luzes, todo o grupos a se comunicar em circulo, e penso que a ideia do circulo é bastante importante e talvez gostaria de poder trabalhá-la mais tarde, na medida em que para que todos se possam entender, a forma de circulo é fundamental, abrindo o campo de visão e podendo “falar um de cada vez”. Fora uma experiência fantástica, e talvez a primeira de muitas com esta associação de surdos, e para mim, deveras importantíssima para poder falar sobre este tema.