A∴418: Um Contributo para a Pesquisa Artística em Música

Vasco Alves

Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Bragança (Portugal) / Escola Profissional de Arte de Mirandela (Portugal)


Contexto

Na transição para o novo milénio constatou-se um interesse exponencial pelo estudo de fenómenos relacionados com a Performance Musical, refletido na quantidade de papers produzidos e na diversidade de áreas científicas envolvidas na discussão, nomeadamente em disciplinas com tradição epistemológica academicamente consolidada (Gabrielsson, 2003). Inicialmente, este exercício científico fez-se recorrendo a metodologias do tipo quantitativo mas, à medida que foram considerados como objetos de análise os elementos de subjetividade próprios da experiência musical performativa, gradualmente surgiu uma tendência para a realização de abordagens de natureza qualitativa (Holmes e Holmes, 2013). Com a implementação da Declaração de Bolonha, que permitiu a criação de pós-graduações na área, associada a conjunturas socioeconómicas que dinamizaram as iniciativas para a investigação em Música, os músicos práticos (compositores, instrumentistas, cantores e regentes) foram convidados a entrar neste debate, enfrentando vários problemas relacionados com a identidade e com a validação das suas práticas artísticas, enquanto fonte de referência básica para a produção de conhecimento científico (Cook, 2016). Desde então, de face com as múltiplas possibilidades de abordagem e com as singularidades intrínsecas à experiência artística (Gritten, 2016), muitos têm sido os esforços para fazer consolidar práticas de investigação específicas e para fazer afirmar a Pesquisa Artística no plano das políticas científico-académicas (Dogantan-Dack, 2016), dos quais se destaca, v.g., a recente proclamação da Declaração de Vienna Sobre Pesquisa Artística (AEC, et al.__ 2020). A Pesquisa Artística caminha, agora, no sentido da sua emancipação enquanto disciplina do saber, procurando estabelecer-se pelos critérios da coerência e da validação, resistindo às tentativas de banalização que a incompreensão sobre o conteúdo empírico das práticas artísticas torna fáceis (Impett, 2017).

Aparentemente exilados da tentativa de cientificar a compreensão humana, e chegados aqui, os músicos práticos são agora precursores de uma nova libido sciendi, caracterizada pela introdução de aspetos subjetivos (como a intuição, a perceção e a criatividade) no espectro do tratamento científico dado à Performance Musical (Östersjö, 2017), ao mesmo tempo que se debatem no contexto dialético dos legados culturais historicamente estabelecidos no seio da academia (Borgdorff, 2012), conforme já tinha sido diagnosticado por Snow (1959) em “The Two Cultures”. Tradicionalmente dedicados ao estudo das obras musicais da cultura ocidental, os músicos esforçaram-se para trazer à luz do conhecimento o corpo teórico que subjaz às suas práticas, focando as suas investigações no estudo das estratégias criativas e da manipulação dos elementos estéticos presentes nos procedimentos artísticos (McNiff, 2006). Foi então que se tornou necessário o desenvolvimento de metodologias próprias e adequadas que permitissem tornar aferíveis tais processos e resultados de investigação (Aquino, 2003) (Schippers, et al., 2017). O método de sistematização da conceção musical interpretativa A∴418  [1](Alves, 2011) foi desenhado para dar resposta a esta necessidade e, assim, contribuir para a consolidação epistemológica da Pesquisa Artística, enquanto ferramenta para a produção de conhecimento que permita compreender a substância empírica implícita no processo criativo, neste particular, da interpretação musical. O que se segue é uma demonstração conceitual deste procedimento metodológico: começando pelo exercício da sua problematização teórica; passando pela caraterização genérica do processo e dos seus componentes; terminando numa reflexão crítica final que, para lá de abordar as aplicações já existentes, procurará traçar novos campos de ação a partir do potencial metodológico revelado.

Conceito

Não é nova, e vem de longe, a tendência para fazer associar a música ao espaço sideral [2]. Talvez por ambas as noções partilharem caraterísticas sistémicas tendencialmente vastas e complexas, tornando-as propensas à subjetividade e difíceis à objetividade quando tentadas pela compreensão humana. Trata-se, aliás, de uma questão identitária que pode ser transversal a toda a condição artística, tal como sugerido por Adorno (1970) quando refere que “as obras de arte destacam-se do mundo empírico e suscitam um outro com uma essência própria, oposto ao primeiro como se ele fosse igualmente uma realidade (…) a arte tem o seu conceito na constelação de momentos que se transformam historicamente; fecha-se assim à definição” (p. 12). O esquema musical, no seu todo tangível, é como que um universo em constante mutação, no qual se sub organizam: várias galáxias de estilos/géneros musicais, cada qual com singularidades fundamentais e dinâmicas próprias; vários sistemas musicais elementares que, a partir das suas interinidades, se transfiguram no tempo e no espaço, como disso são exemplos as facetas dos sistemas tonais, atonais e modais, nos vários contextos socioculturais em que tiveram lugar e locus temporal; várias estrelas (v.g., criadores e criações musicais), em torno das quais gravitam vários planetas (v.g., intérpretes e interpretações musicais), e, enfim, contanto que pudéssemos persistir nesta lógica fractal e reducionista, as possibilidades de perspetivar este fenómeno, através da lente de cada uma das suas variáveis, seriam multiplicadas por um denominador comum, com tanto de indeterminável quanto de obscuro que tem: a perceção humana. Aqui não vamos deslindar o todo deste universo, mas vamo-nos tentar aproximar dessa necessidade de compreensão, através de um contributo que pode ser dado encurtando sistematicamente a perspetiva, visando o isolamento e a análise a um dos múltiplos fatores envolvidos neste macro esquema: a construção da interpretação musical [3]. Os músicos contemporâneos, os autores materiais nesta empreitada, são herdeiros diretos de um processo de sofisticação secular, fortemente impulsionado a partir do cinquecento (século XVI), quando se começou a afirmar a música como forma de expressão artística autónoma, capaz de, por si só, fazer representações da natureza e das paixões da alma humana (Alves, 2011). A consolidação do sistema tonal – e bem entendidas as implicações que teve –, v.g., na evolução organológica dos instrumentos musicais e na complexificação da técnica de manuseamento dos mesmos, foi a “pedra de toque” de um decurso de causalidade recíproca que, articulando estética e técnica, i.e., arte e ciência, conduziu ao maior evento de progresso musical de que temos registo na história da humanidade. Em consequência, o perfil dos músicos na atualidade corresponde ao de indivíduos altamente especializados, com elevados padrões de referência/desempenho atlético e intelectual, que dedicam grande quantidade de tempo ao aperfeiçoamento do controlo da motricidade fina e ao estudo e produção de conhecimento artístico. O saber que temos acerca desta transformação toca-nos mais em forma de narrativa do que em forma de evidência. Diz-se, a título exemplificativo, que a inovação que Paganini operou na técnica de violino foi devida a um pacto com o Diabo, e que a revolução musical feita por Beethoven estará associada a uma determinada dose de alienação física (a surdez) e intelectual (perante a sua contemporaneidade). Nesta lógica de ideias, e heresias à parte, é provável que Paganini e Beethoven estejam no paraíso dos grandes músicos, e nós, por omissão de morada, não temos como, ao menos, endereçar-lhes um questionário para aferir o quanto estes mitos vertem ou escorrem da obra que nos deixaram [4]. A propósito da substância do “diz-que-diz”, ou “a teoria da fofoca” (Harari, 2013, p. 89), Adorno (1970) refere que “a trivialidade da história das ideias é incontestável, de maneira que a evolução dos procedimentos artísticos, tais como eles são quase sempre englobados no conceito de estilo, corresponde à trivialidade social” (p. 16). Para Harari (2018), todas as narrativas são construções ficcionais com pouca adesão factual que, para lá de conferirem sentido e identidade, inflacionam o decurso histórico da humanidade. Ainda que pareça líquido que toda a ação musical criativa esteja historicamente condicionada, o exagero de significações baseadas em narrativas conduz à origem do “fosso, a separação real, entre a ciência e aquilo que poderíamos denominar de pensamento mitológico” (Lévi-Strauss, 1978, p. 12). Assim, e para que se possa certificar dos termos concretos da empreitada musical, é imprescindível considerar os artefactos musicais escritos pelos compositores como fons et origo, nos quais reside o código genético a partir do qual toda a produção de conhecimento musical se edifica e manifesta, tal como sugere Adorno (1970): “as obras - e não os seus autores - são a sua própria medida e (…) a lei que a si mesmas se impõem. A questão da sua própria legitimação não se situa para lá da sua realização” (p. 193). Este trabalho sustenta-se na hipótese de que os músicos práticos, aqueles que lidam com o fenómeno no seu estado mais concreto e primário, para lá dos resultados sonoros que produzem, captam a realidade musical através de uma ótica própria que importa trazer à discussão, primeiro enquanto investigadores e em segundo como criadores que mantêm viva a obra musical.

A ciência é, nos dias de hoje, soberana em termos de autoridade da razão humana (Japiassu, 1974), pelo que empregá-la à interpretação musical significa, a priori, que há algo nesta que se oculta do conhecimento humano e que a técnica científica poderá ajudar a deslindar. Neste sentido, são dois os indícios empíricos que despoletam a motivação para este trabalho. Sobre o primeiro, retomemos a analogia cósmica inicial para dar um exemplo concreto do esforço científico que é necessário ser feito, na persecução do fenómeno existente na relação entre obra (enquanto fonte primária do conhecimento musical) e interpretação (enquanto fonte secundária de conhecimento musical): Mozart é como que uma estrela na galáxia da música tonal, e em torno da sua obra (com o Iluminismo de cenário histórico) gravitam como planetas as mais diversificadas possibilidades interpretativas. Ao longo dos tempos, a sua música foi-se perpetuando através da memória coletiva que lhe conferiu o mais elevado valor estético e inventivo. Entretanto, as condições socioculturais foram-se transformando, os músicos foram adequando as suas interpretações aos padrões estéticos de cada época, os instrumentos musicais e as suas técnicas de manuseamento foram-se sofisticando. Consequentemente, hoje, a sua obra composta (composição musical) é também obra interpretada (interpretação musical), um corpo de conhecimento que é mensageiro de vivências comuns e privadas, representada pelo autor através de registos escritos, comunicada por músicos que estudando e incorporando os textos, ensinaram-se a interpretá-los e a executá-los através de convenções técnico-expressivas, dando origem a tradições escolásticas e a tendências estilísticas. Para examiná-lo, é necessário fazer o exercício de separação prévia e temporária do que são as substâncias musicais conforme denotadas (resultado composicional) e conforme conotadas (resultado interpretativo). Tomemos como exemplo parte de uma frase melódica de uma sonata do compositor vianense, segundo uma edição baseada na versão original (Mozart, 2017). Neste, que se segue, podemos aferir a existência de informações relativas à altura e duração das notas/pausas; às duas indicações de expressividade (ligaduras de expressão); a um efeito expressivo (trillo); a uma indicação de tempo e de caráter (Allegro); à referência da obra (KV 545):

Figura.1 Excerto do 1.º tema, do 1.º andamento, da Sonata KV 545 para piano, de W. A. Mozart.

As dúvidas são inevitáveis: o que nos diz concretamente este registo escrito; só nos informa sobre a organização musical ao nível elementar, ou também nos vincula a uma intenção estética que lhe poderá estar implícita? É neste ponto que surgem duas lacunas epistemológicas associadas a esta prática musical, uma de âmbito semiótico, e outra de âmbito hermenêutico, ou seja, sobre como se explica o desvio/inexatidão possível entre a informação dada pelo sistema de representação musical e as suas derivações em índices de sentido estético [5]. Por sua vez, estas dificuldades repercutem-se na esfera da interpretação musical através de um arquétipo de pensamento a que se chama “autenticidade”, uma caraterística que se constitui dialeticamente, no debate e na práxis, como um referencial valorativo numa espécie de ética musical, visando estabelecer padrões de compromisso artístico entre a interpretação e a composição. Há, portanto, dois eixos distintos de possibilidade musical interpretativa: o historicamente autêntico (relativo ao perfil do intérprete restaurador) e o peculiarmente autêntico (relativo ao perfil do intérprete autor) [6]. Na base desta dicotomia está o fato de os compositores não terem por costume deixar-nos as suas interpretações, de modo a poderem substituir-se a tendências de autoridade musical interpretativa. Assim, por exclusão de partes, o que poderá haver aqui relativo a evidência de autenticidade, estará no registo escrito da obra, conforme o texto redigido pelo seu autor. Isto denuncia a necessidade de uma nova postura interpretativa – relativa ao perfil do intérprete investigador –, i.e., aquele que procura metodicamente sentidos tácitos na música, que na sua forma ou efeito não se revelam, e que desenvolve a sua criatividade interpretativa através de fundamentos técnico-expressivos concretos relativamente às leituras que produz dos textos musicais. Através desta nova atitude, de cariz estruturalista, que tem na investigação um pressuposto para a interpretação, olhamos para os signos musicais originais e procuramos os seus significantes, os seus correspondentes sonoros – literalmente fidedignos –, com o propósito exclusivo de fazer reproduzir os termos textuais reais com a neutralização da intenção interpretativa, ou seja, por meio estrito da inferência denotativa. No exemplo que se segue é feita esta tentativa de simulação:

Figura.2 Simulação audiovisual do resultado sonoro, nos formatos MIDI e Áudio [7], da versão original.

Este exemplo musical, na justa medida do que é o seu registo escrito, é assertivo em termos de altura/duração de notas, mas não informa de igual modo sobre que tipo de emoções ou ideias lhes subjazem, nem sobre como executá-las tecnicamente. Contudo, é plausível que a relação entre os elementos musicais, dentro da estrutura que os agrega, seja evocativa de representações mentais e de experiências sensoriais comuns, mas o que aqui se pretende objetivar é que estas conotações sempre foram um trabalho feito pelos intérpretes, mediante os recursos instrumentais disponíveis (também na circunstância das suas demandas técnicas) e a influência de padrões estéticos e de dinâmicas socioculturais próprias de cada época histórica. É, portanto, a eles que compete demonstrar as singularidades técnico-expressivas que resultam das suas leituras sobre as partituras, e que oferecem ao ouvinte na forma de experiência estética. É nas suas práticas interpretativas que reside a hipótese de significação de uma obra musical, que se testa através de configurações/experimentações de ordem técnico-expressiva, e que depois se faz validar através do resultado sonoro que pretende produzir. Resumindo, poderá haver um teor estético implícito na explicitude dos elementos simbólico-musicais que, por sua vez, poderá advir de tendências concetuais ou de leituras pessoais mais ou menos intuídas, mas tal será sempre uma criação daquele a quem pertence interpretar os textos musicais. O próximo exemplo representa este acréscimo criativo à obra original, sendo que para tal, o intérprete, a título exemplificativo, optou por conferir um andamento mais rápido, por introduzir nuances de intensidade sonora no contorno melódico, por flexibilizar os ritmos da melodia e do acompanhamento, e por recorrer ao uso do pedal de sustain para embelezar o efeito sonoro:

Figura.3 Simulação audiovisual do resultado sonoro, nos formatos MIDI e Áudio, da versão interpretada.

Para melhor exemplificar a relação factual entre a obra e a sua interpretação, permita-se a comparação dos dados subtraídos da componente melódica (correspondente à mão direita) de cada uma das versões, de modo a poder-se atestar em termos específicos do que é a obra do compositor (Versão Original) e do que é a obra do intérprete (Versão Interpretada), servindo isto como indício fundamental que com maior frequência sustenta a importância da construção de conhecimento sobre este tipo de práticas musicais. Neste exercício comparativo é possível verificar:

  1. uma correspondência, entre versões, ao nível da altura das notas (c.f., Data 1; Note), nos termos específicos do registo musical escrito;
  2. uma divergência na duração das notas, entre versões, fruto da opção técnico-expressiva (na Versão Interpretada) de conferir um andamento/tempo mais rápido ao excerto musical (c.f., End; Length);
  3. uma divergência, entre versões, ao nível dos valores correspondentes à intensidade sonora dada a cada nota musical (c.f., Data 2);
  4. uma divergência, entre versões, por acréscimo de um recurso técnico-expressivo (Controller) fruto da conceção técnico-expressiva realizada na Versão Interpretada (c.f., Type):

Figura.4 Síntese comparativa entre os eventos MIDI das versões “original” e “interpretada”.

O que este exercício tem de revelador e de essencial é a existência de dois processos criativos complementares que podem ser demonstrados pela sua análise. A obra do compositor disseca-se com recurso à análise musical elementar e a obra do intérprete desnuda-se perante a análise musical interpretativa [8]. Se para a primeira é necessário “sangue-frio”, para a segunda é crucial o julgamento estético sobre o objeto artístico para que, a partir daqui, se permitam as opções técnico-expressivas que darão corpo à materialização do respetivo resultado sonoro. A autópsia à obra musical só explica sobre a sua matéria orgânica, a par de que a interpretação explica sobre as suas funções vitais, sobre o sentido estético, sobre a sua ação técnica e material, devolvendo, assim, a música à vida. Esta construção da perceção humana (obra do intérprete) sobre o real (obra do compositor) só foi possível de demonstrar porque foi totalmente executada em ambiente eletrónico, ou seja, através de recursos informáticos que permitiram a conversão de estímulos analógicos em dados digitais [9]. No contexto musical acústico ainda não é possível aplicar tal procedimento analítico, com a mesma precisão e na mesma escala da amostra dos fatores/valores envolvidos no processo. Por outro lado, os julgamentos estéticos, as configurações técnicas e as estratégias de desenvolvimento são aspetos que tendem a segredar por detrás dos resultados sonoros dos registos/eventos musicais performativos, pelo que, neste preciso momento, músicos, por todo o mundo, poderão estar a formular outras hipóteses interpretativas sobre esta mesma obra; e outras miscelâneas biológicas e culturais poderão estar a ser convocadas para o efeito, atendendo a que as emoções resultam de fluxos bioquímicos e não de entidades místicas; e este prodígio da mente humana poderá continuar a manter o aparato científico obsoleto perante o seu mistério, em plena era marcada pela possibilidade real da Inteligência Artificial, da mais sofisticada tecnologia de comunicação e da robótica (Harari, 2018). Arrisca-se dizer que na base deste vazio poderá estar uma prenoção, uma consequência narrativa habitual, alimentada por alguma indefinição epistemológica, e que tende a isentar a interpretação musical de implicações do tipo lógico-racional, resultando na sua segregação aquando das decisões para o investimento tecnológico que, em boa-fé, permitiriam a emancipação desta área de investigação artística.

Condição

Façamos, agora, um breve inventário sobre o estado da arte da condição musical interpretativa, elencando, numa sequência lógica, alguns prós e contras que a definem e a condicionam, quando questionada a sua pertinência/adequação ao tratamento científico, conforme aqui se defende. Mais uma vez, é necessário desmontar noções pré-estabelecidas, tendo, para isso, de se fazer uso da evidência científica e do pensamento crítico. Ainda que, tradicionalmente, os músicos direcionem os seus esforços para a praxis, em detrimento da theoria (Kivy, 1995), tal não significa que as suas atividades criativas estejam desprovidas de elementos de lógica, de processos de raciocínio e de princípios linguísticos que possam ser traduzíveis por sistemas de representação comuns em ciência. Os músicos práticos são movidos pela vontade de potência (Nietzsche, 2011), e este fluxo vital tem-se consubstanciado através da criação (composição) e da exibição musical (performance), enquanto elemento de concretização da individualidade que se eleva a um pressuposto existencial, baseado em processos de recompensa afetiva e em metas de satisfação pessoal. De acordo com a crítica nietzschiana sobre o niilismo, a expressão/produção artística é a possibilidade real de – pela força ativa – se potenciar o ser, por depender exclusivamente da ação vital do seu agente e, porquanto, ser uma vontade insaciável; ao contrário das forças reativas, da potestade, cuja vontade sacia ao delegar fé em fatores de transcendência, inibindo o fluxo vital do agente por deslocação do ser da sua condição real. Para o filósofo, a atividade científica é movida pela potestade, precisamente porque requer a eliminação da interferência humana no emprego do método sobre o objeto de estudo, em absoluta contradição com a atividade artística, para a qual a interferência humana é simultaneamente o fator de potência e o seu requisito essencial. Atualmente, a evidência científica parece corroborar esta visão filosófica, apontando para a existência de dinâmicas bioquímicas, que ocorrem no corpo humano, como causa real de sensações de prazer e de satisfação, às quais os objetos e interações externas só servem como entidades de estímulo, levando a que os seres humanos tendam a aderir a atividades que lhes conferem sensações de desafio, de excitação, através das quais conseguem atingir as suas expectativas de satisfação (Harari, 2016). No mesmo sentido, a análise comportamental feita a músicos, aquando das suas práticas, revelou a existência de experiências de fluidez, caraterizadas por elevados níveis de concentração nas tarefas, por fortes sensações de êxtase, de clarividência, de alienação temporal, e de automotivação (Csikszentmihalyi, 1997), o que talvez ajude a explicar o por quê de os músicos preferirem o caminho que vai da prática para a teoria. Significa que música e prazer são noções indissociáveis, entidades que se estabelecem mutuamente num ciclo de regência comum, uma forma de osmose que é definida como uma das caraterísticas intrínsecas da inteligência musical [10] (Gardner, 1994), o que, à parte das conotações socioculturais que condicionam as noções de ócio e de contemplação, indicia a presença de funções cognitivas cruciais à manutenção da condição humana, às quais os músicos parecem ter acesso privilegiado por meio das ações artísticas a que se dedicam com tamanha atenção e esforço. Se na perspetiva cerebral a música pode ter tido um papel antecedente ao da linguagem, atendendo a que o cerebelo (região na qual a atividade musical se manifesta) “relaciona-se com as emoções e com o planeamento dos movimentos e, em termos evolutivos, é a parte mais antiga do cérebro” (Levitin, 2007, p. 91), na perspetiva mental [11], que é de interesse maior para este trabalho, o processo criativo da interpretação musical é, por analogia, o acontecimento onde partículas teóricas e práticas se movimentam e se fundem, materializando-se no espaço físico através de um corpo de conhecimento que, neste caso específico do resultado musical, é o som. Embora no sensum communem se relegue o som para o domínio do sentir e o signo para o domínio do pensar, no “palco do pensamento” não é possível separar o pensar do sentir, i.e., no cérebro humano os processos cognitivos são indistintos dos processos criativos (Damásio, 2011), e talvez seja esta a razão pela qual a atividade artística e a atividade científica partilham os mesmos tipos de processos mentais (Root-Bernstein, 1999). Através das intuições estético-musicais que formulam, por manipulação de elementos no laboratório experimental da conceção musical interpretativa, os músicos produzem um tipo de conhecimento plurívoco em formato de discurso sonoro que, para se tornar cientificamente verificável e poder revelar o máximo de conhecimento latente, carece de se fazer objetivar através de outros formatos de coerência lógica, para assim poder evadir-se do estado de hipótese empírica e submeter-se ao livre juízo crítico do falseamento científico [12] (Popper, 2013). Na medida dos modos de representação deste processo, existe, desde logo, uma dificuldade inerente ao código linguístico que sustenta as interpretações musicais: a notação musical. Este logos escrito ainda não goza de status quo científico que lhe permita uma legibilidade lógica universal, o que origina não só um problema ao nível estrutural como, também, ao nível sistémico, tendo em conta os desvios polissémicos que podem ocorrer quando se dá uma interação entre a mensagem individual da notação musical (promovida pelo compositor) e a mensagem coletiva do discurso musical (promovida pelo intérprete). Estas são, por um lado, algumas das caraterísticas que tornam interessante a elucidação sobre as práticas musicais interpretativas e, por outro, algumas das condicionantes que dificultam a sua verificação científica, mergulhando, assim, a compreensão lógica sobre o pensar/agir/sentir musical, numa experiência vasta em hipóteses. Na tentativa de aproximação a esta forma de verdade, faltam, portanto, instrumentos de objetivação, que providenciem a verificação, a demonstração e a experimentação do processo, para que gradualmente se permitam as certezas que poderão fazer luz sobre este mistério da experiência humana: o que há como “antecipação da mente” para uma melhor “interpretação da natureza” (Bacon, 2002) do discurso sonoro, enquanto resultado musical? Que implicações poderíamos vislumbrar da aplicação de tal instrumento científico, de tamanha coleção de dados que se permitiria?

Para perceber o interesse/potencial teórico que recai sobre processo musical interpretativo é necessário entender que a Performance Musical não se circunscreve ao momento da atuação e à prática que o precede. Não só diz respeito aos efeitos dos resultados sonoro e dramático, dos seus desvios face à sua prescrição, da significação que produz enquanto estímulo mental para as perceções de indivíduos e de unidades socioculturais. É também matéria de conceção interpretativa, de idealização do resultado sonoro, e é nesta medida que o A∴418 se apresenta como procedimento metodológico visando promover o conhecimento sobre as configurações técnico-expressivas que os músicos fazem da literatura musical que interpretam. A ideia de que a execução de uma obra musical será tanto mais eficaz quanto mais clara for a ideia que fazemos dela (Mantel, 1975) é uma noção de princípio que está presente nas práticas dos músicos e que tem vindo a ser corroborada pela evidência científica: a prática mental pode melhorar o controlo motor durante a performance musical e a imagética auditiva é a base da prática mental a partir da qual é desenvolvida a conceção musical e a configuração dos movimentos (Bernardi, et al., 2013). A conceção da narrativa musical é um procedimento criativo que os músicos fazem a partir da leitura dos textos musicais dos compositores (Almén, 2008) e que indicia a presença de dois processos mentais subsequentes: o da atribuição de unidades de sentidos estético-expressivo ao registo original do compositor e o da configuração técnica do resultado sonoro. É nesta sequência lógica que decorre o segundo axioma a partir do qual este trabalho resulta: num ensaio de orquestra é comum o maestro dar indicações sobre a análise e o julgo estético que faz sobre a obra musical, transmitindo-as aos músicos através de instruções verbais acompanhadas de vocalizações e gesticulações. No que lhes concerne, os naipes definem os termos como as vão executar técnica e expressivamente, v.g. [13]: as cordas decidem sobre arcadas e dedilhações; os sopros estabelecem níveis de interação musical com outros instrumentos/naipes; a percussão escolhe as baquetas que melhor se adequam à sonoridade sugerida pelo regente. Num ensaio de música de câmara os músicos trocam ideias sobre a conceção estética dos discursos musicais e definem como concretizá-las tecnicamente, e os mesmos fatores estão envolvidos no processo de estudo individual em contexto de produção musical a solo. Por conseguinte, a experiência empírica mostra que os músicos fazem anotações nas partituras, em complemento às indicações dos compositores, e que estas remetem para dois domínios específicos: 1. o das indicações expressivas, provenientes das leituras idiossincráticas sobre o texto musical, visando a configuração de um resultado sonoro passível de promover um determinado efeito estético nos ouvintes; 2. o das indicações técnicas, que dizem respeito a configurações da técnica de manuseamento instrumental e a aspetos de interação e sincronia entre pares (Alves, 2011). Para o efeito, recorrem ao léxico gráfico musical tradicional, a inscrições do tipo textual e também a signos não convencionais, variando conforme as contingências específicas de cada contexto musical e instrumental. O conceito inerente ao A∴418 consubstancia-se num procedimento metodológico que permite a emersão deste tipo de conhecimento musical, acerca das práticas musicais interpretativas que precedem os momentos finais expositivos (atuações/gravações), servindo como uma base convencional para o registo de configurações técnico-expressivas em partituras, numa relação sistémica e sincronizada entre elementos musicais do compositor e elementos musicais do intérprete, acrescidas de descrições textuais para se permitir um maior detalhe informativo sobre as opções interpretativas.

Premissas

A definição de conceitos é, desde logo, a primeira condição exigível quando se pretende pensar entre pares. No debate sobre Performance Musical, este exercício teórico tem-se feito predominantemente em momento ex post facto e a definição de conceitos e terminologias sobre as práticas dos músicos tem sido abundante e controversa. Com a convocatória aos músicos práticos para integrarem esta conversação pode dar-se a novidade de uma perspetiva complementar, mas em sentido inverso: pré-performativo. Isto porque o potencial analítico aplicável ao estudo desta disciplina não se esgota na compreensão de fenómenos inerentes aos momentos das atuações e dos ensaios musicais. É na perspetiva da compreensão teórica sobre as práticas pré-performativas dos músicos que o A∴418 visa operar, na senda pela razão musical interpretativa, facultando uma metodologia de representação lógica do procedimento concetual interpretativo que precede e acompanha o estudo/prática num processo em espiral, no qual o músico assume a postura bidimensional daquele que investiga e atua simultaneamente, formulando/experimentando hipóteses/intuições de resultados sonoros a partir da leitura que faz do texto original do compositor. Foi nesta ótica sobre fenómeno musical performativo, de quem tem o compromisso de o fazer acontecer, que este trabalho foi desenvolvido, tendo de recorrer para o efeito ao manancial conceitual/terminológico específico e corrente dos músicos práticos. Porém, os conceitos aqui elencados não obedecem à intenção de se cristalizarem em autoridades teóricas da Performance Musical, mas sim à necessidade de criar pontos de partida para um debate enriquecido com o conhecimento de causa sobre esta atividade do “fazer música”, e assim poder estabelecer a base conceitual necessária para um entendimento que se pretende o mais assertivo possível face à demonstração da presente abordagem. Neste sentido, esta proposta metodológica assenta nas seguintes premissas:

  1. o A∴418 foi desenvolvido no contexto específico do que é a tradição da interpretação de obras musicais ditas eruditas, da cultura musical ocidental, na qual o trabalho de um músico prático consiste em interpretar/executar repertório musical dos compositores e conferir-lhe “vida expressiva”, tal como referido por Steiner (1993) quando se refere ao intérprete como sendo “um decifrador e comunicador de significações (…) um tradutor entre linguagens, entre culturas e entre convenções de representação (…) alguém que ‘põe em ação’ os materiais com que se confronta de maneira a conferir-lhes vida inteligível” (p. 19) [14];

  2. o A∴418 foi desenvolvido com base na ideia de que há três instâncias a ter em conta no processo criativo inerente à Performance Musical: o compositor (aquele que cria a obra musical no seu estado primário); o intérprete (aquele que interpreta a obra musical, executando-a); o espectador (aquele que perceciona a criação e a interpretação musical através da sua execução). Também foi considerado que todos estes agentes são autores no processo, a vários níveis, atendendo a que cada um deles contribui com algo pessoal/autoral para a materialização de significados musicais. No que respeita à condição do intérprete neste processo, o A∴418 assume uma postura de não condicionamento do tipo de abordagem interpretativa face às composições, sendo que “a obrigação do intérprete (…) não é para com o compositor (…) o intérprete tem o direito de fazer quaisquer mudanças que ele ou ela considerarem fazer na obra musical (Small, 1998, p. 217) [15];

  3. o A∴418 foi desenvolvido a partir do princípio de que a atividade concetual do intérprete se faz em duas valências, a conceção estético-expressiva do discurso musical e a conceção da configuração técnico-expressiva dessa idealização precedente, numa relação direta com o texto musical do compositor. Por este motivo, esta proposta metodológica privilegia o recurso a técnicas de análise aplicadas às valências específicas da interpretação musical, como forma de objetivar os processos e de estabelecer correspondências lógicas entre os vários elementos do conteúdo musical;

  4. para que possa ser mais imediata a compreensão de conceitos, e permitindo-se a escusa de implicações de ordens lexical e semântica, entenda-se, doravante, que: quando se usa o conceito de expressividade ou expressão, este remete para o plano estético-expressivo do discurso musical; quando se usa o conceito de técnica, este remete para o plano da técnica de manuseamento instrumental; quando se usa o conceito de intérprete, este remete para a figura do músico-instrumentista, do músico-cantor ou do músico-regente; quando se usa o conceito de modulação sonora este remete para as componentes físicas e técnicas que interferem na concretização do resultado sonoro, aquando da interação física entre o músico e o seu instrumento [16].

Operacionalização

As possibilidades interpretativas sobre a mesma obra musical são infinitas, isto porque, em hipótese, haverá tantas alternativas interpretativas quanto o número de intérpretes que as façam, atendendo à caraterística poliédrica da condição humana. Na história da música ocidental, isto ocorre com obras feitas para serem executadas pelos próprios compositores, com obras resultantes de parcerias entre compositores e instrumentistas e, não raras vezes, com obras sobre as quais os mesmos músicos realizam várias leituras interpretativas ao longo das suas vidas. Já a obra musical original do compositor, enquanto registo textual em partitura, é algo imutável e, para o perceber, é necessário recorrer às técnicas de análise musical, a disciplina que procura racionalizar a informação musical tangível numa partitura e a partir da qual o intérprete pode melhor fundamentar as suas opções técnico-expressivas (Rink, 2016).

A operacionalização do A∴418 , como estratégia de estudo interpretativo do repertório musical, requer a aplicação de técnicas de análise capazes de demonstrar processos e elementos inerentes às configurações técnico-expressivas. Ao fazê-lo, o intérprete torna verificáveis as intenções musicais que consubstanciam o resultado sonoro por si idealizado, numa relação lógica, direta e distinguível da intenção do compositor, expressa conforme o inscrito no texto musical original. Este processo analítico visa articular duas taxinomias da conceção musical interpretativa, caraterizadas da seguinte forma: a construção da narrativa sonora) que diz respeito às opções expressivas do discurso musical e que remete para o domínio do subjetivo, dado que as possibilidades de combinações de significado são infinitas; a configuração da modulação sonora) respeitante às opções técnicas para a concretização sonora e que remete para o domínio do objetivo, visto que as possibilidades de combinações de significado são finitas.

Relativamente às intenções expressivas, da autoria do músico intérprete, é importante referir que na génese do A∴418 não esteve a intenção de predefinir estratégias ou processos para o efeito, atendendo ao facto de que a escolha do elenco de elementos e dos processos criativos é matéria do foro da liberdade intelectual do seu autor, na medida do que o músico considere ser necessário e adequado para estruturar a sua interpretação, podendo recorrer, a título de exemplo: ao referencial sonoro e a aspetos do conhecimento tácito, que são próprios da tradição oral na transmissão de conhecimento na praxis musical; ao estudo formal das partituras através do uso da análise musical; ao uso de informação histórica; ao uso da livre associação de ideias.

Se no plano da conceção expressiva os requisitos podem apresentar-se mais ou menos subjetivos, uma vez que têm um nível de interferência indireta na modulação sonora (por ocorrerem essencialmente no “palco das ideias”), no plano da conceção técnica é imprescindível que haja uma maior objetivação dos preceitos, posto que, no “palco da ação” entre corpo humano e instrumento musical, a modulação sonora acontece a um nível de interferência direta, dado que a execução técnica manifesta-se no contacto direto com o instrumento procurando, através deste, concretizar em som as intenções expressivas. Perceba-se, portanto, a necessidade de definir variáveis na modulação sonora [17] naquilo que poderão ser entendidas como categorias técnico-expressivas dos níveis de interferência (direta/indireta) nesta ação, como, por exemplo:

Dois exemplos de possíveis níveis expressivos de interferência indireta na modulação sonora:

  1. as idiossincrasias do intérprete e do compositor;
  2. os contextos socioculturais do intérprete e do compositor.

Dois exemplos de possíveis níveis expressivos de interferência direta na modulação sonora:

  1. a leitura expressiva do discurso musical em concreto;
  2. o entendimento expressivo do contexto da obra musical.

Dois exemplos de possíveis níveis técnicos de interferência indireta na modulação sonora:

  1. a fisionomia do músico-instrumentista e a orgânica do instrumento musical;
  2. as capacidades de manuseamento técnico do músico-instrumentista e as demandas técnicas próprias do instrumento musical.

Dois exemplos de possíveis níveis técnicos de interferência direta na modulação sonora (no contexto específico de um instrumento de corda friccionada):

  1. a ação do arco sobre as cordas:
    • ponto de contacto com a corda;
    • velocidade;
    • pressão;
    • distribuição do arco (orientação e região);
  2. a ação da mão esquerda sobre as cordas:
    • configuração da dedilhação;
    • vibrato;
    • afinação.

Processo

Todo o processo do A∴418 é feito com base na edição de partituras [18]. O ponto de partida é a partitura original do compositor e o ponto de chegada é a partitura revista (REVISÃO) pelo intérprete. Entretanto, são produzidas outras partituras nas quais são aplicadas duas técnicas de análise interpretativa: a análise da intenção musical interpretativa (AIMI) e a análise técnica da intenção musical interpretativa (ATIMI). A sequência deste processo é demonstrada no seguinte esquema:

Figura.5 Esquema do processo de operacionalização do A∴418.

AIMI – Análise da Intenção Musical Interpretativa: esta é a primeira técnica de análise interpretativa e está destinada a tratar o conteúdo expressivo que o músico-instrumentista idealiza a partir da leitura do texto musical original. Consiste em registar a intenção musical interpretativa sobre discurso do compositor, por meio do acréscimo e adaptação de símbolos musicais no pentagrama. Esta nova organização semiológica permitirá informar sobre a conceção expressiva da estrutura musical aos níveis da métrica (disposição espaciotemporal dos eventos musicais), da agógica (relações expressivas de tensão e distensão) e da articulação (configuração expressiva das notas musicais). Para melhor evidenciar estas idealizações a AIMI prevê três perspetivas sistémicas, a macro, a meso e a micro:

Figura.6 Exemplo da partitura da macro perspetiva da AIMI, seguido da simulação audiovisual do resultado sonoro nos formatos MIDI e Áudio.

Figura.7 Exemplo da partitura da meso perspetiva da AIMI, seguido da simulação audiovisual do resultado sonoro nos formatos MIDI e Áudio.

Figura.8 Exemplo da partitura da micro perspetiva da AIMI, seguido da simulação audiovisual do resultado sonoro nos formatos MIDI e Áudio.

Adicionalmente, serão produzidas notas descritivas do tipo textual para fundamentar as opções interpretativas e esclarecer sobre os significados dos conceitos e do manancial simbólico utilizados. O exemplo que se segue é uma demonstração deste recurso textual complementar à AIMI:

Figura.9 Exemplo de notas descritivas resultantes da aplicação da AIMI.

ATIMI – Análise Técnica da Intenção Musical Interpretativa: Esta modalidade de análise interpretativa consiste na concretização ao nível técnico-instrumental do sentido expressivo resultante da aplicação da AIMI. Tal como nesta última técnica de análise, na ATIMI as configurações técnicas fazem concomitância com as ocorrências musicais originais, desta feita, fazendo uma transposição das idealizações expressivas para o contexto da praxis musical-instrumental.

Esta ação dá-se através da definição de níveis técnicos de interferência na modulação sonora. O mesmo é dizer que compete ao músico-instrumentista, de acordo com as demandas técnicas/físicas do seu instrumento musical, bem como das suas próprias características técnico-instrumentais e físicas, definir os elementos técnicos que considera efetivos para a produção sonora da idealização expressiva que faz do discurso musical. Por exemplo, no contexto do Violoncelo poderão ser consideradas duas categorias técnicas básicas nas quais operam os respetivos níveis técnicos de interferência na modulação sonora: na técnica de mão esquerda poderão ser considerados a afinação, o vibrato e as dedilhações; na técnica de arco poderão ser considerados a pressão, a velocidade, o ponto de contacto com a corda e a distribuição do arco.

Os níveis técnicos de modulação sonora apresentam-se em caixas de texto paralelas ao pentagrama, de forma a fazer a correspondência direta entre a configuração técnica, o texto musical original e a idealização expressiva permitida pela aplicação da AIMI. Nestas caixas de texto o músico-instrumentista inscreve valores de referência relativos acerca das variações de interferência na modulação sonora. Na figura que se segue faz-se a alusão à representação da ATIMI em formato de partitura. As várias caixas de texto a cores, para uma melhor distinção entre elas e uma perceção mais acessível na leitura, são inscritas e organizadas nas zonas superiores e inferiores face ao pentagrama, e representam os possíveis níveis técnicos de interferência na modulação sonora nas quais se dispõem os valores de referência simbólicos respetivamente às notas musicais nos quais operam:

Figura.10 Exemplo da partitura da ATIMI.

Para melhor exemplificar a operacionalização da ATIMI, seguem-se três exemplos deste processo de análise aplicados aos contextos de manuseamento técnico de instrumentos de tecla, de corda e de sopro, sendo que cada uma destas famílias tem características gerais que são transversais a instrumentos da mesma natureza organológica, mas que são necessariamente distintas das de outros naipes instrumentais. Nestes exemplos são apresentados vários níveis de modulação sonora, com o intuito de ilustrar/simular a variedade possível de fatores de interferência em função das técnicas de manuseamento específicas de cada contingência instrumental, pelo que poderá não ser totalmente assertiva a relação causa-efeito entre o registo escrito e o seu possível resultado sonoro. Para exemplificar esta análise ao contexto instrumental de tecla, segue-se um exemplo aplicado ao Piano, num discurso melódico para ser executado na mão direita, onde são definidos como fatores de interferência aspetos da técnica manual (i.e., dedilhações; níveis de pressão exercida pelos dedos sobre as teclas [1a. e 1b.]; níveis de duração da pressão exercida pelos dedos sobre as teclas [2a. e 2b.] [na parte superior do pentagrama, sendo que o mesmo poderia ser aplicado à mão esquerda na parte inferior do pentagrama]) e aspetos da técnica de pedais (i.e., pedal una corda [3. – na parte superior do pentagrama] e pedal de sustain [4. – na parte inferior do pentagrama]). Os valores de referência fazem alusão a noções de ordem quantitativa (i.e., – [pouco]; + [muito]), de ordem gradativa (i.e., cresc. . . . . [aumento progressivo da intensidade]; dim. . . . . [decréscimo progressivo da intensidade]), e a símbolos da notação musical convencional como os reguladores de intensidade em crescendo/decrescendo e indicações para o uso dos pedais:

Figura.11 Exemplo da aplicação da ATIMI ao contexto específico do Piano.

Segue-se um exemplo de aplicação ao contexto de instrumentos de sopro, neste caso em particular da Flauta, para o qual foram definidos fatores de interferência relacionados com a técnica bocal, tais como: o recurso ao efeito de vibrato (1. – na parte superior do pentagrama); os níveis de duração da pressão do ar exercida através da boca sobre o bocal (2.) e os níveis de pressão do ar exercida através da boca sobre o bocal (3.), ambos inscritos na parte inferior do pentagrama. Os valores de referência fazem alusão a noções de ordem quantitativa (i.e., – [pouco]; + [muito]), de ordem gradativa (i.e., cresc. . . . . [aumento progressivo da intensidade]; dim. . . . . [decréscimo progressivo da intensidade]), e a símbolos da notação musical (i.e., reguladores de intensidade em crescendo/decrescendo):

Figura.12 Exemplo da aplicação da ATIMI ao contexto específico da Flauta.

Por último, e para demonstrar o nível de complexidade que este recurso analítico pode atingir, o exemplo que se segue é uma tentativa de aplicação da ATIMI ao contexto específico da Guitarra que, pelas suas caraterísticas próprias, pertence ao grupo de instrumentos que carecem de um maior envolvimento de recursos técnicos, uma vez que, comparando com o Piano, as cordas são instrumentos menos mecanizados do ponto de vista organológico. Como tal, foram definidos os seguintes fatores de interferência relacionados com a técnica manual:

Figura.13 Exemplo da aplicação da ATIMI ao contexto específico da Guitarra.

Tal como na AIMI, também aqui haverá lugar à adição de notas descritivas do tipo textual para fundamentar sobre as configurações técnicas, produzidas pela aplicação da ATIMI, face às opções expressivas pré-definidas, tal como descreve o seguinte exemplo:

Figura.14 Exemplo de notas descritivas resultantes da aplicação da ATIMI.

REVISÃO – Partitura Final: Esta é a última etapa do processo de aplicação do A∴418 à conceção interpretativa de um texto musical. Aqui, concretiza-se um equilíbrio dinâmico entre a obra musical do compositor e a obra musical do intérprete, precisamente através da introdução no texto original de elementos semióticos alusivos à conceção expressiva e à respetiva configuração técnico-instrumental idealizados pelo músico-instrumentista. A informação acrescida pelo intérprete surge no âmbito do pentagrama de forma sintetizada, no sentido de garantir as melhores condições de legibilidade, uma vez que esta partitura destina-se a servir de referência básica da conceção interpretativa na generalidade. Considera-se esta partitura final como tendo um carácter informativo generalista porque para a informação na especialidade existem as partituras que resultam da AIMI e da ATIMI. Estas últimas, dado que contêm informação muito específica e pormenorizada, não estão predestinadas a servir os requisitos da leitura corrente própria da praxis musical. A figura que se segue faz a representação da síntese informativa que é feita aquando da edição da partitura revista:

Figura.15 Exemplo da partitura final.

Os símbolos utilizados para a realização desta partitura provêm de diversas origens: uns são oriundos da estrutura de linguagem musical comum, tais como as indicações de dinâmicas, indicações de articulações, indicações de carácter; outros são adaptados de um sistema desenvolvido por Tortelier (in Bach, 1983) na sua revisão das Seis Suites para Violoncelo Solo de J. S. Bach.

Nas descrições textuais, que podem ser acrescidas ao registo musical notacional, tanto na fase analítica da AIMI como da ATIMI, enquanto estratégia de auto fundamentação da reflexão/introspeção interpretativa, poderão ser inscritas informações complementares sobre a configuração das opções técnico-expressivas, podendo estas remeter, mediante critério estabelecido pelo intérprete, para várias categorias do conhecimento como, por exemplo: formal) acerca da estrutura e da organização elementar musical da obra; teórico) sobre noções e conceitos históricos, culturais, estéticos e de ordem musical elementar; técnico) respeitante às demandas de manuseamento técnico-instrumental; procedimental) alusivo a questões relacionadas com o desenvolvimento das tarefas e da interação musical performativa; didático) aquele que pode constituir-se como ferramenta de progressão na aquisição de modos de fazer e de pensar a música; transdisciplinar) quando se recorre a noções e práticas de outros domínios para se estabelecer um paralelo com a tarefa musical. O exemplo que se segue faz uma representação hipotética deste processo:

Figura.16 Exemplo de notas descritivas resultantes da aplicação da REVISÃO.

Contributo

Nas suas práticas correntes, os músicos procedem à inscrição de indicações técnicas e expressivas nas partituras que interpretam, como forma de registar as suas intenções interpretativas. Partindo desta realidade, o que esta proposta metodológica traz como contributo consiste numa convenção estratégica, baseada numa estrutura de análise musical, que permite demonstrar os modos como os músicos procedem à concetualização das narrativas sonoras dos textos musicais que interpretam. A utilidade desta ferramenta será tanto maior quanto a capacidade de fazer adaptar as suas funcionalidades ao mais variado elenco de géneros/estilos musicais e dos contextos instrumentais. Para que possam ser desenvolvidos trabalhos baseados na aplicação do A∴418, a outros contextos instrumentais, é necessário que se definam os níveis de influência na modulação sonora para cada realidade instrumental, tal como supramencionado, uma vez que a definição destes depende das demandas específicas da organologia/técnica de manuseamento de cada instrumento e das características intramusicais concretas de cada obra/estilo ou género musical. Neste sentido, existem já demonstrações deste método, aplicadas ao contexto específico das seguintes obras musicais e dos respetivos contextos instrumentais:

  1. Concerto para Violoncelo, RV418, de Antonio Vivaldi (Alves, 2011, pp. 96-415) – esta é uma construção musical interpretativa fundamentalmente baseada na análise elementar da estrutura musical, integral, conforme o registo original do compositor, nomeadamente aos níveis formal, harmónico e motívico-temático. Para o efeito, também foi realizada uma análise comparativa entre várias edições de partituras, incluindo o fac-simile da obra, e ao referencial sonoro presente em várias gravações de interpretações musicais. Ainda que informada historicamente sobre práticas e conceitos da época, a conceção interpretativa fez-se optando por uma abordagem técnico-expressiva contemporânea, no que concerne aos preceitos estéticos e a contingências de manuseamento técnico-instrumental utilizados, recorrendo, para tal, a um violoncelo com caraterísticas organológicas atuais. O resultado da análise formal ditou a organização da AIMI nas suas várias perspetivas sendo que para o efeito foram utilizados os recursos simbólicos supramencionados, nomeadamente para a definição de estruturas frásicas e para a caraterização expressiva dos seus componentes. Para a aplicação da ATIMI, foram definidos dois eixos primordiais para a definição dos fatores da técnica de manuseamento instrumental que fazem a interferência na modulação sonora: a técnica de arco (aos níveis da pressão, da velocidade, do ponto de contacto com a corda e das regiões do arco); a técnica de mão esquerda (aos níveis das dedilhações e do vibrato). Para fazer a síntese na partitura revista (Revisão) foram aplicados os símbolos acima já descritos, conjuntamente com aqueles que são próprios da técnica do Violoncelo, sendo que para a inscrição na partitura foi aplicado um critério baseado na precedência da inscrição dos elementos/eventos, de modo a não sobrecarregar o pentagrama de informação repetida e em benefício da sua legibilidade. Todas as opções interpretativas, quer ao nível expressivo, quer ao nível técnico, foram devidamente fundamentadas através de descrições textuais e apoiadas nas análises musicais previamente efetuadas;

  2. Kinderstück, para Piano, de Anton von Webern (Alves, 2011, pp. 88-95) – esta foi uma aplicação do método que não incidiu sobre a íntegra da obra. Para tal, foi extraída e isolada uma secção formal correspondente à duração da primeira série dodecafónica no estado original. Com base num exercício de análise musical, foi feito o reconhecimento do discurso dodecafónico original e das respetivas variações seriais, nomeadamente as inversões original e retrógrada. Isto permitiu definir o primeiro momento frásico de quatro compassos, subdivididos em três momentos organizados por elementos seriais, aos quais foram conferidos sentidos expressivos. Ao nível técnico foram definidos como fatores de modulação sonora a pressão, e a duração desta, exercida sobre o teclado e uso dos pedais una corda e de sustain. Este exercício serviu para perceber a capacidade do A∴418 em se fazer adaptar a contextos musicais não tonais, na justa medida em que se demonstra como possível a configuração técnico-expressiva da conceção interpretativa também neste tipo de contextos musicais;

  3. Sonata para Violino “Kreutzer”, op. 47, de Beethoven (Eufrázio, 2013) – neste trabalho a autora faz uma adaptação do método ao contexto do Violino acrescentando-lhe, para lá de ajustes básicos aos níveis técnico e simbólico, dois fatores de modulação sonora inéditos até então: o portamento e o rubato. Para tal tratamento interpretativo, a autora extrai passagens específicas da parte de Violino e, fundamentando-se em conhecimento histórico sobre práticas de época e em exemplos de interpretações contemporâneas, traça a base concetual para aquilo que será a sua própria configuração técnico-expressiva do discurso musical a estes níveis musicais elementares. Este trabalho representa um contributo que revela mais sobre o potencial implícito no A∴418, nomeadamente ao possibilitar-se operar a um nível parcial face ao que é a obra musical na sua íntegra, extraindo desta as secções que permitem isolar aspetos específicos da conceção interpretativa. Acresce que a introdução de tais elementos no debate em torno da interpretação desta obra em particular, estabelece-se como uma base objetiva e verificável capaz de promover uma discussão esclarecedora e concreta sobre o assunto, quer ao nível da problematização existencial destes recursos expressivos na literatura musical (antes, durante e após Beethoven), quer ao nível das configurações de manuseamento técnico que as várias tipologias de portamento/rubato permitem no contexto específico deste instrumento musical.

Os resultados produzidos pela aplicação deste método também podem ter um alcance pedagógico. Os intérpretes investigadores, ao tornarem legíveis as configurações e as estratégias técnico-expressivas, podem estar a fazer com que as suas interpretações se constituam numa ferramenta de referência básica ao serviço da aprendizagem musical, na medida do benefício que esses conteúdos possam trazer para a construção de representações mentais mais cientes da substância dos discursos musicais em estudo e, assim, fazer com que os aprendizes possam estar em melhor circunstância de promover a qualidade e os níveis de eficiência dos seus desempenhos técnico-expressivos. Neste sentido, existe já uma implementação pedagógica para o estudo da interpretação musical nos termos propostos pela abordagem A∴418. Esta iniciativa realizou-se, pela primeira vez, no âmbito do plano curricular do Curso Técnico Superior Profissional – Músico Instrumentista da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Bragança (Portugal), mais concretamente através da Unidade Curricular de Projeto Musical Interpretativo, na qual os alunos puderam desenvolver um projeto de conceção interpretativa em torno do repertório solista que estudaram aquando da Unidade Curricular de Instrumento I. No final do ano letivo, conjuntamente com as provas recitais que prestaram, foi organizado um evento, com um painel composto por professores e investigadores, instrumentistas/cantores e compositores, no qual foram apresentados e discutidos os projetos desenvolvidos pelos alunos. O resultado foi o de que estes projetos estimularam os alunos a refletir/investigar sobre a interpretação das obras que executaram nos seus instrumentos, possibilitando uma maior propriedade/profundidade nos conhecimentos inerentes à manipulação dos elementos técnico-expressivos, ao mesmo tempo que desenvolveram uma maior consciência crítica face ao processo criativo da performance musical. Também foi possível verificar, através da argumentação usada no relato descritivo dos projetos, a referência a processos de aperfeiçoamento musical, nomeadamente de aquisição de competências específicas, através da definição de estratégias de estudo conformes às idealizações técnico-expressivas. A organização da conceção interpretativa baseada na sequência proposta pelo A∴418, ou seja, a análise de conteúdos expressivos em concomitância com as configurações de manuseamento técnico-instrumental, permitiu uma discussão concreta, objetiva e prolífera entre os conteúdos da obra musical do compositor e da obra interpretativa do instrumentista, por via do estabelecimento de relações de lógica correlativa/comparativa entre estes dois elementos criativos presentes na construção da performance musical. Assim, a par da componente empírica, e de encontro ao modelo educativo proposto por Dewey (1974), pode concluir-se que esta implementação em contexto pedagógico permitiu que a interpretação fosse: colocada no plano da hipótese criativa; enquadrada num ambiente de projeto de investigação mais abrangente do que o que se alcança pela exclusividade da prática performativa; desenvolvida através de exercícios críticos e experimentais dentro do meio empírico que lhe é próprio; demonstrada, verificada e discutida em ambas as suas dimensões teórica e prática, no sentido de um tipo de aquisição/desenvolvimento holístico das aptidões musicais, i.e., nas dimensões intelectuais, atléticas, e estético-performativas.

A Revolução Cognitiva, ocorrida desde há ca. de 70 mil anos, dotou o Homo Sapiens de ferramentas únicas que lhe garantiram a adaptação e o controlo progressivo sobre o mundo físico (Harari, 2013). Hoje essa senda continua com uma pujança inigualável na história da humanidade, contudo, ainda é impulsionada pela mesma capacidade pré-histórica de, no aqui e no agora, prever e imaginar o futuro, a partir de experiências e de conhecimento acumulado do passado: a criatividade humana. É neste contexto que compete, também, fazer uma projeção de implicações futuras, constituindo-se isto como parte do contributo que aqui se pretende dar: a possibilidade de desenvolvimento tecnológico de instrumentos que dotem a interpretação musical de ferramentas eficazes para o seu tratamento científico (Alves, 2011, pp. 132-139). A aplicação do A∴418 ao estudo interpretativo do repertório musical requer o desenvolvimento de partituras em condições específicas que os programas informáticos de notação musical não têm como pré-configuradas. Isto conduz à necessidade de desenvolver um software (v.g., plug-in) que facilite o desenvolvimento das técnicas de análise interpretativas (AIMI/ATIMI/REVISÃO) de modo a tornar mais acessível aos investigadores a aplicação deste método. Esta ferramenta permitiria a importação de partituras musicais (v.g., em formato universal do tipo MusicXML) às quais o investigador e/ou artista poderiam aplicar as técnicas de análise interpretativa e processá-las de modo automatizado: 1) manipulando e editando a fonte primária (texto original do compositor), extraindo e organizando o seu conteúdo em secções ou parcelas formais, conforme as circunstâncias elementares da obra musical e atendendo ao tipo de abordagem que o intérprete pretenda dar; 2) configurando o elenco simbólico a utilizar, atribuindo-lhe os respetivos significados técnico-expressivos; 3) definindo os fatores e níveis de interferência da técnica de manuseamento instrumental nas produção e modulação sonora, de acordo com as especificidades organológicas de cada instrumento musical e em função das demandas técnico-expressivas do discurso musical em causa; 4) adicionando as notas descritivas textuais, alocando-as automaticamente às respetivas secções/parcelas formais; 5) editando as configurações que permitiriam a seleção de informações a conter nas partituras produzidas a título de fonte secundária, i.e., com as contribuições concetuais do intérprete. Outro contributo poderá vir a ser a construção de uma plataforma virtual na qual possam ser armazenadas as análises das conceções interpretativas, formando um corpo de conhecimento, ou seja, uma base de dados que possa servir de referência para promover a discussão e colaboração de músicos e estudiosos de todo o mundo. Dentre as disciplinas artísticas, a música é aquela cujos preceitos se predispõe mais à análise de Big Data, uma vez que, segundo Harari (2018), os seus “inputs são padrões matemáticos de ondas sonoras, e os outputs são os padrões eletroquímicos de tempestades neurais” (p. 39), pelo que é expetável que em breve “um algoritmo capaz de analisar milhões de experiências musicais poderá aprender a prever como determinados inputs resultam em determinados outputs” (p. 39). Assim, na medida em que ocorra a concretização dos preceitos técnicos que caracterizam cada instrumento e cada obra musical, poder-se-á estar a fazer o mapeamento de elementos capazes de gerar novos avanços tecnológicos, nomeadamente uma tecnologia que possibilite a medição paramétrica desses elementos, através da articulação entre o aparato neural afeto à imagética musical e o aparato de captação audiográfica que faça a conversão eletrónica de sinais acústicos [19] e, à semelhança do que é já possível fazer através dos protocolos Musical Instrument Digital Interface e OpenSound Control, permitir o rastreio absoluto, – e em valores precisos –, dos parâmetros (v.g.: frequência; intensidade; duração; amplitude [20]) que definem os níveis de interferência na modulação sonora em instrumentos acústicos.

Consequentemente, a obtenção destas informações/dados sub rosa da interpretação musical poderiam constituir-se como a base de estímulo necessária para a abertura de novas linhas de evidência sobre a fenomenologia musical. Ao facilitar a operacionalidade metodológica e ao possibilitar uma melhor obtenção/tratamento de dados, a criação de instrumentos tecnológicos de precisão conduziria à proliferação de análises musicais interpretativas e, assim, permitiria uma grande conversação transdisciplinar a partir das dinâmicas interpretativas geradas pelos “registos A∴418”, i.e, através do rastreio de modelos/tendências interpretativas, do mapeamento de elementos técnico-expressivos, e da problematização dos resultados à luz de contextos vários e específicos. Nesta altura, seria como se estivéssemos às portas de um novo mundo repleto de conhecimento musical e de possibilidades de abordagem. Façamos este prenúncio:

  1. o A∴418 pode levar a uma nova conceção do sistema de notação musical, com especiais implicações para o campo da composição musical. Ao perceberem com maior detalhe o modo como os intérpretes decifram técnica e expressivamente as suas obras, os compositores poderão tornar mais eficiente a forma como as escrevem e desejam que sejam interpretadas, ao mesmo tempo que poderão alargar o seu espetro criativo, de uma perspetiva prescritiva para uma perspetiva de concretização real dos resultados sonoros;

  2. inevitavelmente, o aperfeiçoamento do léxico simbólico aqui proposto permitirá o estudo da comunicação musical através dos seus modos de produção sígnica, para poder especificar as dificuldades de semiótica e hermenêutica associadas à interpretação musical, podendo isto conduzir à criação de uma disciplina científica dos tipos Linguística Musical e Hermenêutica Musical, que se dedique ao estudo do seguinte itinerário: a génese relacional do signo/som musical [21]; as dinâmicas estruturais dos modos de organização do signo/som musical; significantes simbólicos e significados estéticos no discurso musical; sentidos estéticos na dialética do discurso musical (através de variações/comportamentos longitudinais do tipo: confluências, padrões, divergências e desvios constatados numa perspetiva de desenvolvimento temporal);

  3. à semelhança do que acontece na Teoria Literária com a disciplina de Literatura Comparada, que se dedica ao estudo de relações cosmopolitas e dialéticas na produção literária, desde logo, também aqui poderia emergir uma nova vocação da Teoria Musical, conduzida por intérpretes/investigadores polímatas que se dedicassem ao estudo comparativo de conceções musicais interpretativas decorrentes da aplicação metodológica A∴418: a disciplina de Interpretação Musical Comparada;

  4. em última instância, este trabalho também contribui para um modelo de investigação do fenómeno musical performativo, precisamente pela introdução de um novo objeto de estudo que é a Hipótese Interpretativa, no qual o A∴418 visa operar enquanto procedimento metodológico. Com a introdução deste elemento, o processo da Performance Musical é “(re)perspectivado” tendo como origem a obra do compositor e como finalidade a contemplação estética do espetador/ouvinte, sendo que, entretanto, dá-se o processo da Interpretação Musical que, tendo um momento de conceção técnico-expressiva e um momento de prática interpretativa, precede à Performance Musical. Estes dois momentos do modus interpretandi têm um nível de interatividade que pode ser subsequente e/ou coincidente, na medida em que tem de existir uma articulação entre as noções técnicas e as noções expressivas decorrentes das iniciativas exploratórias e experimentais. Esta abordagem estrutural da Interpretação Musical, quer pela proposta procedimental (conceção/prática/performance) quer pela sistematização de componentes (expressão/técnica), permite estabelecer relações lógicas de interatividade científica com outros domínios que, por sua vez, poderão oferecer um modelo estratégico de investigação fenomenológica da Performance Musical, numa perspetiva integral. Trata-se, portanto, de um processo metodológico de triangulação múltipla, feito através do cruzamento de metodologias/dados de natureza qualitativa, provenientes da interação com as ciências humanas, e de metodologias/dados de natureza quantitativa, provenientes da interação com as ciências da natureza. O esquema que se segue procura fazer a representação deste macro processo de investigação através do qual se descrevem os termos com que se poderá permitir tal interação científica pluridisciplinar:

Figura.17 Esquema sobre a interação pluridisciplinar no processo musical performativo.

Conclusão

A metodologia aqui apresentada teve duas motivações implícitas: por um lado, o entendimento de que a investigação em Performance Musical estaria auto limitada enquanto não abrangesse a dimensão criativa dos intérpretes e, por outro, a necessidade de os próprios músicos práticos poderem expor e discutir o seu trabalho conceptual interpretativo, com uma legibilidade mais propensa ao raciocínio lógico, com a introdução de um maior nível de detalhe sobre o processo criativo e sobre a manipulação de elementos estéticos, e que fosse além das significações que são permitidas por via da perceção dos resultados sonoros promovidos pelas performances e pelas gravações. Complementarmente, este novo nível de detalhe permite evidenciar aquilo que é a obra do compositor em distinção àquilo que é a obra do intérprete, através do procedimento metodológico baseado na sistematização de recursos analíticos e de registos de notação musical acrescidos de descrições textuais. Porém, para se tornar acessível e poder frutificar, este método necessita do auxílio de suportes tecnológicos, nomeadamente a criação de um recurso informático que permita a elaboração de registos sobre as intenções interpretativas dos discursos musicais. Trata-se de uma obra em aberto, que estará sempre em constante reformulação e aprimoramento, na medida em que os músicos, ao contribuírem para novas abordagens interpretativas, estarão a alargar o seu espectro de ação a novos contextos musicais e instrumentais.

As demonstrações já feitas da aplicação deste método permitiram evidenciar vários tipos de conhecimento gerados através dos procedimentos técnicos de análise previstos nesta convenção metodológica, são eles: conhecimento formal) referente à compreensão dos eventos musicais e à sua organização dentro da arquitetura musical enquanto obra do compositor; conhecimento estético) gerado a partir da leitura e das configurações expressivas que o intérprete faz sobre a obra do compositor; conhecimento técnico) relativo às configurações de manuseamento técnico instrumental; conhecimento procedimental) alusivo ao desenvolvimento estratégico do processo de conceção musical interpretava; conhecimento teórico) no que respeita a uso de conceitos e informações de origem sociocultural às quais o intérprete recorre para fundamentar as suas opções estético-expressivas. A este corpo de conhecimento poderão juntar-se aspetos úteis para a pedagogia musical instrumental, v.g. referências textuais sobre estratégias de prática instrumental para adquirir uma determinada competência de manuseamento técnico-instrumental implícito numa passagem musical em particular, conferindo uma utilidade didática ao resultado da aplicação do A∴418. As demonstrações poderão colocar em questão o nível de consciência musical que o músico tem relativamente à forma como produz a sua interpretação, contudo, é importante referir que não seria possível realizar uma performance musical sem que nela interagissem ambas as componentes técnica e expressiva, pelo que as interpretações também poderão diferir umas das outras consoante os graus de consciência e de substância técnico-expressiva que lhes são conferidos pelos intérpretes.

Permita-se realçar duas características fundamentais neste Método de Sistematização da Conceção Musical Interpretativa: 1.ª) ao distinguir aquilo que é obra do intérprete (sujeito mutável) daquilo que é obra do compositor (sujeito imutável), o A∴418 revela, por um lado, a dimensão autoral e criativa do intérprete e, por outro, dados/informações que podem ajudar a explicar os desvios detetados entre o que está inscrito nas partituras e o que resulta como efeito sonoro por via da sua execução/interpretação; 2.ª) ao basear o seu procedimento em técnicas de análise multidimensional (dimensões expressiva e técnica), numa relação sincrónica com o texto musical original, o A∴418 produz e mapeia uma multiplicidade de dados que se constituem num corpo de conhecimento acerca das práticas interpretativas, fornecendo um leque de elementos de discussão que podem ser tidos como fonte de referência básica para fins artísticos, científicos e pedagógicos, no sentido de uma contribuição maior para lá da esfera da Pesquisa Artística e em prol de uma maior integração e melhor convivência entre as áreas de estudo afetas aos conhecimentos humanístico e científico, em sentido contrário às definições mais restritivas que tendem a excluir disciplinas das humanidades do domínio propriamente científico (Japiassu, 1974).

A música é um produto humano ensimesmado pelo que inteligi-lo não é um ato desinteressado. Neste requere-se a convivência entre a objetividade metódico-racional e a subjetividade sociopessoal. Enquanto produto, tampouco é autónomo, que não careça do auxílio de outras perspetivas do saber, para se fazer e se compreender. Se as partituras dos compositores são a invocação de processos mentais altamente sofisticados que, por sua vez, evocam sentimentos/ideias humanas, a interpretação musical poderá ajudar a precisá-los, através da representação lógica do corpo estético/obra técnica que se materializa no espaço físico enquanto resultado sonoro, sendo que neste, a química poderá fazer a objetivação das suas reações/interações biológicas, e, complementarmente, a física poderá fazer a parametrização das suas reações/interações psicomotoras. Daqui poderá resultar um protótipo tecnológico, um instrumento de precisão ao serviço do conhecimento científico, que detete e colete os dados que, após automação algorítmica, poderão oferecer-se às ciências aplicadas ao estudo do ser humano, para a interpretação das manifestações/propriedades extrínsecas/intrínsecas destas habilidades físicas/cognitivas, bem como das dinâmicas para com os contextos socioculturais que lhes conferem morada, no tempo e no espaço. Tal como só conhecemos do universo na medida do que a sofisticação tecnológica alcança, também aqui se procurou tornar claro que não é por inaptidão que a “luz” da criação artística não se permite ao “olho clínico” da razão científica, mas sim por manifesta incapacidade técnico-científica em operar, de modo concreto e objetivo, nos termos da complexidade do esquema musical interpretativo, pelo que “é preciso que se parta das positividades elaboradas pelas ciências, para que se efetue uma retomada reflexiva daquilo que a razão cognitiva não cessa de se dar, em vários níveis conceituais, e de objetivar em saberes parciais” (Japiassu, 1974, p. 14). Este trabalho incorre de frente na superação desta dificuldade, contribuindo com o conceito metodológico de uma ferramenta tecnológica que urge materializar, como um meio para atingir um fim, para que a ciência possa vingar na sua vocação, também em matéria artística, e assim aliviar-nos dos sortilégios da ignorância e da tirania dos preconceitos, aos quais a interpretação musical ainda não ganhou imunidade.

Por fim, parece legítimo levantar a hipótese para uma perspetiva futura: é provável – e expetável – que hajam unidades de sentido comuns, ou pelo menos correlativas, entre as conceções musicais dos compositores (na fase da criação), as dos intérpretes (na fase da interpretação) e a dos espetadores ouvintes (na fase da contemplação), e que estas se manifestem através de predisposições musicais elementares e de padrões estéticos e culturais, interagindo por coincidência ou por divergência num teatro repleto de possibilidades combinatórias. Isto insere-se no âmbito desse grande projeto de revelação do que é a consciência humana, mas quando disto tivermos algum grau de certeza, poderá ser também porquanto se faça luz sobre o processo metamórfico que regenera a obra do compositor a cada interpretação que dela se faça. O Método de Sistematização da Conceção Musical Interpretativa, no seu conceito e operação, é um contributo concreto para que assim seja, que carece de se materializar em ferramenta tecnológica, de modo a que seja exequível/acessível a obtenção de dados e a produção de conhecimento sobre o que há de mais íntimo no processo de conceção musical interpretativa, um novo universo de possibilidades para a compreensão humana a que o A∴418 convida a explorar. Na perspetiva geral do contributo que aqui se constitui a favor da Pesquisa Artística, conforme sugerido em epígrafe, compete reforçar sobre a importância de os artistas poderem discorrer sobre as suas práticas, nos termos e preceitos que lhes são próprios, e entender isto como parte de um processo transdisciplinar para a construção de conhecimento científico acerca da fenomenologia artística. Assim, no artefacto não existirá só a dimensão estética mas também um corpo de conhecimento basilar capaz de promover a averiguação de novas implicações e entendimentos à luz de outras disciplinas científicas. Nesta conjuntura são imprescindíveis duas coisas: 1.ª) assumir o grau de subjetividade inerente às práticas artísticas como uma forma de aceder ao conhecimento empírico sobre os processos criativos e a manipulação de elementos estéticos. Sendo que para tal, é necessário o esforço para consolidar modos/estratégias de representação/discussão e tornar este conhecimento o mais legível e objetivo possível, para que possa vir a ser triangulado com outros procedimentos científicos e, assim, permitir-se a correlação de dados passíveis de verificação e falseamento; 2.ª) desenvolver ferramentas técnicas que possam parametrizar, mensurar e analisar dados provenientes do conhecimento artístico, indiciados previamente pelos artistas-investigadores através das singularidades dos seus processos criativos.

Referências

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  1. A designação A∴418 é constituída por três elementos: o “A” é a inicial do apelido do seu autor; os três pontos dispostos em forma triangular são uma alusão às três luzes do Iluminismo (força, beleza e sabedoria), que são representadas de modo análogo nesta proposta metodológica como técnica, estética e conhecimento; o número “418” é a referência ao Concerto para Violoncelo RV418 de Antonio Vivaldi a partir do qual o método foi desenvolvido. ↩︎

  2. Alusivo à intenção de atribuir uma lógica matemático-racional aos fenómenos musicais e que tem como exemplo mais antigo a iniciativa de Pitágoras (ca. 570 a.C. – ca. 495 a.C.): de conferir uma dimensão superparticular aos elementos musicais relacionando-os com as esferas cósmicas. ↩︎

  3. No que concerne às práticas musicais interpretativas – em específico – do repertório musical vulgo erudito da cultura ocidental. ↩︎

  4. O recurso ao sentido figurado é aqui propositado. Serve para dar ênfase ao exagero presente nos elementos narrativos recorrentemente associados às práticas musicais e que, ao se proporem como um estado pré-determinista (i.e., a causa dos fatos é atribuída a sujeitos indetermináveis) produzem um efeito desviante da compreensão lógico-racional sobre os factos musicais reais, i.e., quando a causa dos fatos deveria ser atribuída a sujeitos determináveis. Este nível de legibilidade permite-se através das práticas musicais interpretativas, nas quais se podem estabelecer relações de nexo causístico entre os fenómenos elementares da composição musical, a manipulação dos elementos estéticos, os procedimentos criativos, as noções de sujeitos históricos, e a idealização/prática/execução técnico-expressiva dos resultados sonoros. ↩︎

  5. O conceito de semiótica é aqui utilizado para fazer referência às inerências da descodificação dos textos musicais, a partir do sistema de representação gráfico-linguístico da notação musical, e que promovem a semiósis dentro das relações semânticas, sintagmáticas e pragmáticas da organização musical discursiva. A hermenêutica é um conceito aqui empregue subsequentemente neste processo interpretativo, i.e., refere-se à experiência criativa do intérprete na construção da sua hipótese estética e que decorre da leitura semiótica sobre os textos musicais, completando-os com conotações estéticas privadas (vivências pessoais) e/ou comuns (memórias históricas). ↩︎

  6. O conceito historicamente autêntico refere-se às interpretações baseadas na reconstrução dos contextos históricos em que as obras musicais foram produzidas; o conceito peculiarmente autêntico refere-se às interpretações que procuram a genuinidade delas próprias através das demandas técnico-expressivas circunstanciais ao intérprete, c.f., Kivy (1995). ↩︎

  7. Legenda: MIDI (“acrónimo de Musical Instrument Digital Interface”) = convenção informática que permite a comunicação entre instrumentos musicais eletrónicos e computadores (Henriques, 2007, p. 730); Áudio = representação audiográfica das ondas sonoras. ↩︎

  8. Esta é uma forma de análise integrante e identitária da proposta metodológica A∴418. Estabelece-se como um paralelo aos métodos de análises de texto (dos tipos: textual; temática; interpretativa, crítica, problematizante, conclusiva [Lakados e Marconi, 2003]) e incide sobre uma análise de conteúdo musical (hermenêutica musical), numa perspetiva da contrução da narrativa e do resultado sonoro, a dois níveis: expressivo (conceção do conteúdo estético) e técnico (configuração de elementos da técnica de manuseamento instrumental). ↩︎

  9. Por analogia ao processo de conversão de um sinal sonoro acústico (analógico) em sinal sonoro elétrico (digital) (Henriques, 2007), sendo que, neste caso, a noção de “analógico” remete para o estímulo provocado pela ação humana na produção sonora, e a noção de “digital” remete para a conversão elétrica do estímulo analógico, em resultados sonoros que podem ser expressos e verificados técnica e fisicamente. ↩︎

  10. Conceito cunhado por Gardner (1994) que, no seu exercício teórico, atribui à música determinadas caraterísticas distintas que a tornam uma das tipologias da inteligência humana: linguística; musical; lógico-matemática; espacial; corporal-cinestésica; pessoal. ↩︎

  11. Esta distinção conceitual, entre cérebro e mente, provém do entendimento feito por Harari (2018), quando refere que: “o cérebro é uma rede material feita de neurônios, sinapses e substâncias bioquímicas. A mente é um fluxo de experiências subjetivas, como a dor, o prazer, a raiva e o amor” (p. 331). ↩︎

  12. Referente ao procedimento do método científico hipotético-dedutivo: formulação do problema; experimentação/demonstração da hipótese; crítica e verificação dos resultados, para possível eliminação de erros; novas problematizações, no caso de os resultados serem refutados/falseados (Popper, 2013). Transposto para o contexto da aplicação metodológica do A∴418, este procedimento incide na medida do exame ao conhecimento musical interpretativo (problematização), através das quais será possível aferir da correlação, numa medida linear desde o inexato/ineficaz até ao exato/eficaz (demonstração), entre as conceções expressivas e as respetivas configurações técnicas face ao resultado sonoro pretendido (verificação), por intercedência de um diálogo comparativo entre várias conceções interpretativas sobre a mesma obra musical (reformulação). ↩︎

  13. Estas designações de instrumentos e de classes instrumentais são baseadas nos conceitos inerentes à perspetiva artística (das práticas musicais interpretativas e de composição) descritas por Piston (1955), e que se organizam em: instrumentos de corda (friccionada e beliscada); instrumentos de sopro (madeiras e metais); instrumentos de percussão e de tecla. Para os mesmos sujeitos, na perspetiva científica da acústica musical, as designações são: cordofones (dedilhados; friccionados; percutidos [por tecla]); membranofones; idiofones; aerofones; eletrofones) (Henriques, 2007). ↩︎

  14. Tradução livre feita pelo autor. ↩︎

  15. Tradução livre feita pelo autor. ↩︎

  16. A modulação sonora é um conceito aqui adaptado às circuntâncias específicas da interpretação musical, tais quais aqui se apresentam, e que deriva do conceito acústico designado por “Modulação Física de Sistema Mecânicos e Acústicos” que, por sua vez, remete para um conjunto de caraterísticas/comportamentos sonoros cujas grandezas físicas são passíveis de expressão matemática (Henriques, 2007, pp. 104-105). ↩︎

  17. Entende-se por níveis de interferência o que deriva de pressupostos da conceção estética/configuração técnica e cujos tipos de ação na modulação sonora se designam por: direta) alusivo a qualidades primárias de caráter objetivo e que remetem para caraterísticas físicas do som (“frequência; intensidade; espetro; duração” [Henriques, 2007, p. 170]) e para as configurações materializadas das opções técnico-expressivas por correlação efetivada entre as intenções expressivas e as suas configurações técnicas; indireta) alusivo a qualidades secundárias de caráter subjetivo e que remetem para caraterísticas psicológicas do som (perceção sobre “altura; sensação de intensidade; timbre; duração” [Henriques, 2007, p. 170]) e para caraterísticas idiossincráticas, psicofisiológicas e socioculturais dos artistas/artefatos envolvidos no processo de interpretação musical. ↩︎

  18. Feito com base em exemplos extraídos de Alves (2011, pp. 80-83). ↩︎

  19. Relativo ao domínio da neurociência computacional, na qual é realizada a modelagem físico-matemática de fluxos neurais que demonstram a atividade de processos mentais no cérebro, através de sinais eletrofísicos e dos respetivos estímulos sensoriais. ↩︎

  20. Extensível a caraterísticas sonoras da forma de onda nos seus períodos transitórios e de estabilidade (i.e., “ataque, decaimento, regime estacionário e decaimento final”) (Henriques, 2007, p. 171). ↩︎

  21. O que Lévi-Strauss (1978) definiu como “sonemas” (p. 75), por derivação dos fonemas, quando comparado o fenómeno entre música e linguagem. ↩︎