"Seival" é uma referência ao nome do bairro rural onde a propriedade está localizada, que remete a um aglomerado de seibos ou a um pântano coberto de vegetação — uma imagem que, para mim, representa tanto a riqueza quanto a potencialidade da natureza. O "Cores" é minha missão: trazer diversidade e vida de volta a esta terra, regenerando o solo e resgatando a biodiversidade local.
O que te levou a dedicar sua vida à agricultura regenerativa? Como essa missão começou para você?
Eu nasci em Cruzília, no sul de Minas Gerais, e cresci no Rio de Janeiro, onde a vida era intensa, cheia de pressões do sistema capitalista. Por anos, trabalhei com consultoria ambiental em um ritmo de vida acelerado, muitas vezes desconectado do que realmente me fazia vibrar. Cada dia que passava, sentia que estava perdendo algo essencial — uma conexão mais profunda com a vida e com a natureza.
Segui meu coração e, guiado por uma intuição forte, larguei tudo para buscar um caminho mais alinhado com o que acredito ser meu propósito: criar uma harmonia entre a prática e o espírito, atuando para regenerar a terra enquanto cultivo também a espiritualidade.
Vejo o trabalho com a agricultura regenerativa não apenas como uma forma de restaurar a natureza, mas como uma jornada de cura interior e de alinhamento com o que é sagrado. Para mim, cuidar da terra é uma prática espiritual em si — cada ação é uma oportunidade de honrar as forças maiores que nos guiam e de devolver à Terra o que ela tão generosamente nos oferece.
Essa missão é sobre criar um equilíbrio, onde a agricultura não apenas nutre o corpo, mas também alimenta a alma e reflete a unidade que existe entre o ser humano e o mundo natural. Quero viver de uma maneira que respeite os ciclos da vida e permita que cada passo que eu dou na terra seja um gesto de gratidão e conexão.
Passei por experiências transformadoras, vivi em comunidades, adquiri conhecimentos e percebi que meu papel é ajudar a regenerar a terra. A agricultura regenerativa é minha forma de contribuir para curar os danos que a agricultura convencional tem causado, devolvendo a vida aos ecossistemas e buscando um equilíbrio que vai além da matéria.
Quais são as maiores alegrias e desafios que você vivencia neste trabalho?
Minha maior alegria é testemunhar a transformação da terra, ver a vida voltando pouco a pouco, as árvores crescendo, a biodiversidade se recuperando. A volta dos animais ao Sítio Seival das Cores é um sinal claro de que a regeneração está funcionando. Recentemente, avistei veados cruzando a propriedade e encontrei pegadas de lobos-guarás no solo, algo que nunca havia ocorrido antes. Ouvir o canto dos pássaros é outra alegria — é como se eles trouxessem vida e energia para cada amanhecer, celebrando o retorno da biodiversidade.
Além disso, há uma alegria que transcende o campo ecológico: é o encontro de pessoas que, assim como eu, sentem o chamado de trabalhar pela terra. O Sítio se tornou um ponto de encontro para aqueles que buscam a cura e a reconexão com a natureza. Ver esses encontros acontecerem, com pessoas se unindo para plantar, cuidar do solo e compartilhar conhecimentos, é uma experiência de comunidade e apoio que reforça meu propósito. Esses momentos são lembranças constantes de que a regeneração é um trabalho coletivo, e que o solo que regeneramos também cura nossos corações.
Os desafios são muitos. Desde as dificuldades financeiras, a resistência a novas ideias, falta de incentivo e apoio para a agricultura regenerativa. Ainda há pouco investimento em pesquisa, tecnologia e maquinário adequado para os pequenos produtores rurais, que são, na verdade, os principais agentes dessa transformação. Por isso, o trabalho continua sendo muito artesanal e, muitas vezes, fisicamente árduo. Às vezes, as condições climáticas também são adversas, e há a luta constante contra o tempo e as limitações de recursos. Mas o que me mantém motivado é a certeza de que estou no caminho certo, contribuindo para algo maior que eu.
Como regenerar a terra?
Os primeiros passos para restaurar a terra começam com a observação e o estudo constante de como a floresta se comporta. A natureza já tem as respostas, e entender seus ciclos é fundamental para a agricultura regenerativa. Uma das estratégias que utilizo é buscar imitar o funcionamento dos ecossistemas naturais, adotando práticas que promovam a saúde do solo e a biodiversidade.
Entre essas práticas, a cobertura do solo é fundamental. Manter o solo sempre coberto, seja com palha, plantas de cobertura ou matéria orgânica, ajuda a conservar a umidade, a proteger a estrutura do solo e a alimentar a vida microbiana essencial. Além disso, a sucessão e a estratificação de espécies são técnicas que imitam a dinâmica natural da floresta, onde diferentes plantas ocupam camadas distintas do espaço e do tempo, colaborando para um ecossistema saudável e equilibrado.
Também aposto na diversidade de espécies, que é crucial para um solo vivo e para a resiliência da terra. Plantar uma variedade de plantas ajuda a aumentar a biodiversidade e a garantir que o ecossistema seja mais resistente a pragas e doenças. O plantio adensado, com as plantas crescendo próximas umas das outras, cria um ambiente mais semelhante ao de uma floresta, ajudando a manter a umidade e a criar um microclima favorável para o desenvolvimento das espécies.
Com esses princípios, procuro criar um sistema onde o solo se torne cada vez mais fértil e a biodiversidade floresça, promovendo um ciclo positivo que se retroalimenta e beneficia toda a paisagem. Uma observação que acho pertinente indicar aqui é que a produção de alimento utilizando esses princípios requer bastante manejo e dedicação pois estamos trabalhando com sistemas complexos, iguais às florestas.
Olhando para o futuro: Quais são seus sonhos para o futuro desta terra? Como você imagina que ela evoluirá ao longo do tempo?
Meu sonho é ver o Sítio Seival das Cores transformado em um ecossistema vibrante e saudável, onde a diversidade de plantas e animais volte a prosperar. Quero que essa terra seja um exemplo de que é possível regenerar áreas degradadas, inspirando outras pessoas a seguir o mesmo caminho. Imagino uma paisagem onde floresta e produção caminhem lado a lado, onde as pessoas possam aprender sobre agrofloresta, compartilhar conhecimento e se reconectar com a natureza.
Aprendi que a regeneração exige paciência, humildade e observação. Não existe uma receita pronta, cada terra tem seu tempo e suas necessidades. Meu conselho é escutar a terra, não ter medo de experimentar, e lembrar que todo pequeno passo conta. É um trabalho que requer persistência, mas as recompensas vão além do que se vê: não tem preço, e sim um valor imensurável.
Minha mensagem para aqueles que estão trabalhando para restaurar a terra é que não basta apenas focar na recuperação ambiental; precisamos nos inserir verdadeiramente dentro dessas áreas de restauração. A agricultura regenerativa é um dos caminhos para alcançar isso. É uma prática que não só regenera o solo e a biodiversidade, mas também nos reintegra como parte do ecossistema, vivendo e cuidando da terra de uma forma que promove a saúde dela e a nossa ao mesmo tempo.
Você diria que seu trabalho faz parte de um movimento mais amplo?
Sim, definitivamente faço parte de um movimento maior. A agricultura regenerativa está crescendo como uma resposta global às práticas destrutivas da agricultura industrial. Tenho a sorte de contar com uma rede de apoio. Troco experiências e aprendizados com outros produtores, participo de cursos e eventos, e sinto que há uma comunidade de pessoas dedicadas a essa missão. Não estou sozinho; há muitos que compartilham essa visão de um futuro mais sustentável.
Minhas conexões com as comunidades locais e regionais são fundamentais para o sucesso do trabalho de agricultura regenerativa no Sítio Seival das Cores. Participo ativamente de movimentos locais como feiras rurais livres e feiras de produtores rurais, que são espaços de troca e aprendizado, onde posso compartilhar os frutos do meu trabalho diretamente com a comunidade. Esses eventos fortalecem os laços locais e incentivam a alimentação saudável e sustentável.
Além disso, no Brasil existe o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), um programa essencial que proporciona a possibilidade de fornecer alimentos saudáveis e nutritivos para escolas públicas, e vejo nele uma oportunidade de contribuir para a educação alimentar das novas gerações.
Estou envolvido também na Central das Associações de Produtores Orgânicos do Sul de Minas Gerais, que é uma rede que certifica a produção orgânica de alimentos. Isso me permite garantir que o que produzo segue práticas ecológicas e sustentáveis, agregando valor e confiabilidade à produção. Essa certificação é importante não só para o consumidor final, mas também para o fortalecimento do movimento de agricultura regenerativa, mostrando que é possível produzir de forma sustentável e com alta qualidade.
Além das parcerias com associações, mantenho contato com órgãos públicos de assistência técnica rural, que oferecem apoio técnico e conhecimento, ajudando a adaptar e melhorar as práticas no campo. Essas parcerias são uma via de mão dupla: enquanto recebo orientações técnicas e apoio logístico, também contribuo com o compartilhamento de experiências práticas e exemplos do que funciona no campo.
Essas conexões não apenas reforçam a troca de saberes e experiências, mas também possibilitam o acesso a mercados locais e regionais, garantindo uma rede de apoio econômico e social. Elas ajudam a fortalecer a agricultura local, incentivam práticas sustentáveis, e constroem uma base de confiança e reconhecimento mútuo, tanto entre os produtores quanto entre consumidores e agricultores.
O que te levou a esse pedaço de terra em particular? Você pode nos dizer o nome do lugar e seu significado? A maior parte da terra era pasto quando você chegou, ou sempre teve uma mistura de ecossistemas?
Meu retorno a Baependi foi, de certa forma, um reencontro com minhas raízes. A propriedade da minha família estava ali, esperando por alguém que pudesse trazer de volta a vida a uma área que, por muito tempo, foi utilizada como pasto. Decidi batizar o local de Sítio Seival das Cores. "Seival" é uma referência ao nome do bairro rural onde a propriedade está localizada, que remete a um aglomerado de seibos ou a um pântano coberto de vegetação — uma imagem que, para mim, representa tanto a riqueza quanto a potencialidade da natureza. O "Cores" é minha missão: trazer diversidade e vida de volta a esta terra, regenerando o solo e resgatando a biodiversidade local.
O que você aprendeu com esse processo? Se você tivesse uma mensagem ou conselho para pessoas em outras partes do mundo trabalhando para restaurar a terra, qual seria?
Aprendi que a regeneração exige paciência, humildade e observação. Não existe uma receita pronta, cada terra tem seu tempo e suas necessidades. Meu conselho é escutar a terra, não ter medo de experimentar, e lembrar que todo pequeno passo conta. É um trabalho que requer persistência, mas as recompensas vão além do que se vê: não tem preço, e sim um valor imensurável.
Minha mensagem para aqueles que estão trabalhando para restaurar a terra é que não basta apenas focar na recuperação ambiental; precisamos nos inserir verdadeiramente dentro dessas áreas de restauração. A agricultura regenerativa é um dos caminhos para alcançar isso. É uma prática que não só regenera o solo e a biodiversidade, mas também nos reintegra como parte do ecossistema, vivendo e cuidando da terra de uma forma que promove a saúde dela e a nossa ao mesmo tempo.
É essencial entender que a regeneração é algo que deve incluir nossa presença, nosso cuidado e nosso compromisso diário. Para mim, o ato de restaurar a terra é, ao mesmo tempo, um processo de restaurar nossa própria conexão com ela — aprendendo a ouvir os ritmos da natureza, a respeitar os ciclos e a nos tornarmos guardiões do solo e da vida que nele prospera.
Portanto, meu conselho é: mergulhe de coração nesse trabalho, abrace o conhecimento que vem do estudo dos processos naturais, conecte-se com as comunidades ao seu redor e saiba que cada gesto, por menor que pareça, faz parte de algo muito maior. Trabalhar pela terra é, na verdade, trabalhar por nossa própria cura e pelo futuro das próximas gerações.
Há mais alguma coisa que você gostaria de compartilhar que ainda não abordamos? O que você acha essencial para entender seu trabalho ou essa jornada?
Acho essencial entender que regenerar a terra não é apenas uma prática técnica, mas um compromisso profundo com a vida. Para mim, é sobre honrar os ancestrais, respeitar os espíritos da terra e reconhecer que somos parte de um todo maior. É um caminho que transforma não só a terra, mas a nós mesmos, nos conectando com a essência de quem somos e do que podemos ser como humanidade.