Chrystalleni Loizidou: Obrigada por concordar em compartilhar conosco a experiência e a sabedoria que acumulou ao administrar um jornal local independente por 22 anos. Consideramos essa experiência como uma contribuição importante para apoiar nossas comunidades (aqui, no Campo Redondo, e paralelamente em Aglantzia, no Chipre). Parece um grande compromisso. Como você decidiu se dedicar a isso?
Gustavo Praça: Eu havia feito uma grande mudança na vida; abandonara a carreira jornalística para viver de forma alternativa. Trabalhei quase toda a década de 1970 na grande imprensa, nos últimos anos já focado em investir no novo projeto. Comprei uns lotes na parte alta de Penedo e fui construindo pequenas casinhas para serem alugada para turistas, o que é o principal ganha pão até hoje. Aí surgiu minha companheira, Lana, vieram os filhos, e num dado momento senti necessidade de ter mais dinheiro; fiz então o que eu sabia, jornal. Comecei pagando um escritório de design em Resende, onde era feita a diagramação, mas um dos filhos, Afonso, aprendeu o ofício e então nossa casa chegou a ser uma pequena produtora de jornais tabloides – além do Ponte Velha (mais literário do que informativo), fazíamos o Nariz da Índia (voltado para o turista), o jornal da cooperativa de energia e, eventualmente, alguns para eventos, instituições, campanhas de vereador, etc. E também alguns livros.
Importante registrar que meu pai é de uma família grande e tradicional da cidade de Resende, e sempre foi uma pessoa ligada à cultura e ao jornalismo. Isso influiu na minha escolha por Penedo; e ajudou no começo do meu empreendimento, quando ele esteve dando aval, ajudando na conquista dos primeiros anúncios.
Parece-me que as publicações hiperlocais são especialmente valiosas no atual cenário da mídia globalizada. O que você acha disso?
Concordo, embora atualmente as redes sociais tenham tomado um pouco este lugar de corpo intermediário entre as pessoas, as famílias e as instituições. Mas acho que sempre haverá lugar para as publicações impressas.
Chrystalleni Loizidou: Thank you for agreeing to share with us the experience and wisdom you accumulated by running an independent local newspaper for 22 years. We consider this experience a significant contribution to supporting our communities (here, in Campo Redondo, and simultaneously in Aglantzia, Cyprus). It seems like a big commitment. How did you decide to dedicate yourself to this?
Gustavo Praça: I had made a big change in my life; I had left my journalistic career to live alternatively. I worked for almost the entire 1970s in the mainstream press, and in the last few years, I was already focused on investing in the new project. I bought some plots in the high part of Penedo and started building small houses to be rented to tourists, which is still the main source of income today. Then my partner, Lana, came along, and we had children, and at a certain point, I felt the need to have more money; so I did what I knew, a newspaper. I started by paying a design office in Resende, where the layout was done, but one of my sons, Afonso, learned the craft, and our house became a small producer of tabloid newspapers - besides Ponte Velha (more literary than informative), we also produced Nariz da Índia (focused on tourists), the energy cooperative's newspaper, and occasionally some for events, institutions, councilor campaigns, etc. And also some books. It's important to note that my father comes from a large and traditional family in the city of Resende and has always been connected to culture and journalism. This influenced my choice of Penedo and helped in the early days of my venture, as he gave his endorsement, helping secure the first advertisements.**
It seems to me that hyperlocal publications are especially valuable in today's globalized media landscape. What do you think about that?
I agree, although currently, social networks have somewhat taken on this role as an intermediary body between people, families, and institutions. But I believe there will always be a place for printed publications.
Não tem cachoeira nesta rua, último livro de Gustavo, disponível aqui: https://gustavopraca.com.br/
Qual era/é a sua relação com a grande mídia?
Acho que tenho mais uma vocação literária, poética, do que propriamente jornalística. Naquela divisão que se faz na entrada da vida adulta para a classe média (de um lado engenharia, medicina; do outro, ciências humanas) o jornalismo me surgiu como algo capaz de me pagar salário logo. Sempre gostei mais da parte literária, dos cronistas, do lugar do pensamento, da prosa poética. Nunca tive a competência, o gosto, para apuração dos fatos e dos jogos políticos. Hoje vejo a imprensa com tristeza, como um dos componentes de um grande processo de concentração de poder.
Que desafios enfrentou?
O maior desafio era mais comigo do que com a profissão. Eu era uma pessoa muito angustiada, e tinha que dar conta disso junto com o trabalho. Por outro lado, acho que a universidade forma mal a gente: muita especulação filosófica (que eu gosto) mas pouca informação sobre o funcionamento das instituições, a história de sua formação, suas atribuições, as leis, a constituição, etc. Comecei como repórter esportivo no saudoso Jornal do Brasil, o que me ajudou porque adoro futebol (ou adorava) e, portanto, entendo do assunto. Depois trabalhei na reportagem geral de O Globo, na TV Globo (programa Fantástico), no Estado de São Paulo, no O Globo (no Rio e na sucursal de Brasília) e na Radiobrás, também em Brasília. Sempre com a convicção de que estava ali de passagem, que aquilo não era a minha vida.
Por que parou?
Como disse acima, eu precisava encontrar o meu eixo (entende-te a ti mesmo). Precisava de silêncio, de uma certa solidão. A intuição empurra a gente. E a minha circunstância na ocasião era a Contracultura, os hippies, uma geração que buscava a vida alternativa, a saída das opções urbanas. Acho que, mais do que busca por natureza, a minha intenção era não ter mais patrão, não trabalhar para empresa, trabalhar para mim.
Tem algum conselho para tornar um jornal local sustentável?
O caminho mais fácil é se aliar ao Poder Público, mas isso tira a independência. O melhor é ter o apoio da comunidade, na medida em que as pessoas percebam que o jornal é um instrumento para registrarem sua história e equacionarem seus problemas.
É claro que os efeitos em cascata de ter um jornal local não podem ser medidos com facilidade, mas certamente devem fazer diferença no tecido social, torná-lo mais forte, transformar desafios, trazer significado, lançar luz sobre as coisas. Você tem alguma opinião ou conclusão sobre o efeito de seu trabalho na comunidade?
Sim, é difícil de medir. No meu caso, sinto que o Ponte Velha aglutinou as pessoas ligadas à história e cultura locais. Foi-se formando um corpo de colaboradores que escreviam regularmente; e misturaram-se gerações – os que chegavam na relação direta comigo e os que eu ia conhecendo pelas relações do meu pai. Penso que isso deu muita força; a tradição se incorporava aos mais jovens; a substância ficava mais densa. Havia sempre uma grande entrevista nas páginas centrais (depoimentos de pessoas marcantes, que dá para se fazer um livro) e artigos de variadas tendências, poesias, notas, etc. O registro do varejo político era feito por quem tinha fontes e gostava daquilo; não havia pauta.
What was/is your relationship with the mainstream media?
I think I have more of a literary, poetic vocation than a journalistic one. In that division made at the entrance to adult life for the middle class (on one side engineering, medicine; on the other, humanities), journalism appeared to me as something capable of paying me a salary soon. I always liked the literary part more, the chroniclers, the place of thought, poetic prose. I never had the competence or the inclination for fact-finding and political games. Today I see the press with sadness, as one of the components of a large process of power concentration.
What challenges did you face?
The biggest challenge was more with myself than with the profession. I was a very anxious person and had to deal with that along with work. On the other hand, I think the university poorly prepares us: a lot of philosophical speculation (which I like) but little information about the functioning of institutions, the history of their formation, their roles, the laws, the constitution, etc. I started as a sports reporter at the late Jornal do Brasil, which helped me because I love football (or I used to) and therefore understand the subject. Then I worked in general reporting for O Globo, on TV Globo (Fantástico program), in Estado de São Paulo, in O Globo (in Rio and the Brasília branch), and in Radiobrás, also in Brasília. Always with the conviction that I was just passing through, that it wasn't my life.**
Why did you stop?
As I mentioned above, I needed to find my center (know thyself). I needed silence, a certain solitude. Intuition pushes us. And my circumstance at the time was the Counterculture, the hippies, a generation seeking an alternative life, an escape from urban options. I think, more than a search for nature, my intention was not to have a boss anymore, not to work for a company, to work for myself.
Do you have any advice on making a local newspaper sustainable?
The easiest way is to ally with the Public Power, but this takes away independence. The best way is to have community support, to the extent that people realize that the newspaper is a tool for recording their history and addressing their problems.
It is clear that the ripple effects of having a local newspaper cannot be easily measured, but they certainly must make a difference in the social fabric, making it stronger, transforming challenges, bringing meaning, shedding light on things. Do you have any opinion or conclusion about the effect of your work on the community?
Yes, it's hard to measure. In my case, I feel that Ponte Velha brought together people connected to local history and culture. A body of regular contributors was formed; and generations mixed - those who arrived in direct relation with me and those I got to know through my father's relations. I think this gave a lot of strength; the tradition was incorporated into the younger ones; the substance became denser. There was always a big interview on the central pages (testimonies from remarkable people, enough to make a book) and articles from various trends, poems, notes, etc. The political retail record was done by those who had sources and liked it; there was no agenda.
Você pode nos dar um exemplo ou contar uma história sobre algo que aconteceu com o jornal que caracterize sua experiência?
Talvez registrar que eu fazia muito escambo. Trocava anúncios por mensalidade de escola ou curso dos filhos, por compra no mercado, conserto de carro em oficina, etc. E também o fato de que, além de editar, eu era o produtor, o distribuidor, o cobrador, fazia de tudo. Minha Caravan a gás vivia cheia de jornais. E sinto gratificação quando ando pela cidade hoje e alguém grita para mim “Fala, Ponte Velha!”
Você tem alguma observação de conselho para nós? Alguma coisa com a qual devemos nos preocupar? Algum perigo ou armadilha que você imagina que provavelmente enfrentaremos?
Acho que o pior perigo é ficar dependendo da Prefeitura, como eu disse acima. Outro é a questão ideológica: briga entre participantes por linha editorial. O primeiro tablóide que eu fiz, pai do Ponte Velha, chamado Pé da Serra, acabou um pouco por conta disso. O Ponte Velha enfrentou um pouco isso também no fim, no momento em que passei a editoria porque queria acabar; estava cansado e já não precisava tanto daquele dinheiro.
Você poderia compartilhar algum conhecimento ou diretrizes sobre como organizar e gerenciar isso?
Acho que depende da capacidade dos donos do jornal (os que o fazem acontecer) de manterem a independência de pensamento de seus colaboradores. A riqueza sempre vai ser a diversidade.
Nosso ponto de partida é encontrar ou gerar um modelo para facilitar o design e a distribuição na Web de jornais locais, usando software livre, ou seja, transparente e independente. Você tem alguma opinião sobre isso?
Não, esse já é um universo que eu não entendo.
Que tipo de equipe ou fluxo de trabalho você nos aconselharia a ter em mente ao estabelecermos isso?
Acho que isso é particular, cada caso se resolve de acordo com a sua circunstância.
E quanto a maneiras de lidar com a política local ou questões polêmicas?
Manter uma das regras básicas do jornalismo: ouvir sempre os dois lados sem pesar a mão a favor de um deles; não ter vergonha de ter dúvidas em questões polêmicas, somos humanos.
Can you give us an example or tell a story about something that happened with the newspaper that characterizes your experience?
Maybe noting that I did a lot of bartering. I exchanged advertisements for school or course fees for the children, for grocery shopping, car repair in the workshop, etc. And also the fact that, besides editing, I was the producer, distributor, collector, did everything. My gas Caravan was always full of newspapers. And I feel gratified when I walk through the city today and someone shouts at me, "Hey, Ponte Velha!"
Do you have any advice for us? Anything we should be concerned about? Any danger or pitfall you think we are likely to face?
I think the biggest danger is relying on the City Hall, as I mentioned above. Another is the ideological issue: fights among participants over editorial line. The first tabloid I made, the father of Ponte Velha, called Pé da Serra, ended partly because of this. Ponte Velha also faced this a bit at the end, when I wanted to end it; I was tired and didn't need that money as much anymore.**
Could you share any knowledge or guidelines on how to organize and manage this?
I think it depends on the ability of the newspaper's owners (those who make it happen) to maintain the independence of thought of their contributors. The richness will always be in diversity.**
Our starting point is to find or create a model to facilitate the design and distribution of local newspapers on the Web, using free software, i.e., transparent and independent. Do you have any opinion on this?
No, that's already a universe I don't understand.
What kind of team or workflow would you advise us to keep in mind when establishing this?
I think it's particular; each case is resolved according to its circumstances.
What about ways to deal with local politics or controversial issues?
Maintaining one of the basic rules of journalism: always hear both sides without weighing in favor of one of them; don't be ashamed to have doubts on controversial issues, we are human.
Histórico de edições de O Ponte Velha, publicado de 1994 a 2014 e distribuído em Resende e Itatiaia RJ:
https://issuu.com/pontevelha
Edition history of O Ponte Velha, published from 1994 to 2014 and distributed in Resende and Itatiaia RJ:
https://issuu.com/pontevelha