6- Condição material da pesquisa em Arte Digital

  Fazia parte da prática artística em telepresença ter de atuar como proponente em várias frentes buscando auxílio financeiro e acompanhando as políticas culturais da área. Seja para angariar apoio institucional ou para concorrer aos editais de fomento imprescindíveis para a continuidade das performances. Dentre as atividades se incluía a negociação para obtenção de apoio técnico e institucional, a logística da produção das performances, a disseminação do projeto através da apresentação e publicação de textos, e o convite à participação a artistas e estudantes de arte. Apesar de ser apoiado institucionalmente mas nunca ter captado recurso algum, o projeto foi aprovado pelo edital da Secretaria do Audiovisual, do Programa Nacional de Apoio `a Cultura (PRONAC 00 0485), para captação no valor total de R$ 288.635,17 publicado no Diário Oficial de 10 de abril de 2000.

 

  O desenvolvimento da linguagem intermídia da telepresença encontrou obstáculos dentro da academia, mesmo com o apoio institucional das universidades, assim como fora da academia. Nas plataformas de avaliação da pesquisa artística como a Lattes no Brasil, as teleperformances não podiam ser devidamente pontuadas quando comparadas a outras manifestações, por inexistir uma taxinomia adequada nos formulários. Fora do ambiente universitário, os artistas encontravam mais dificuldade para a criação, pois existiam  na época poucos laboratórios dedicados para arte e tecnologia do Brasil, seja para o desenvolvimento com software livre ou proprietário.

 

  Não que inexistisse propriamente um cenário de arte e tecnologia no país2. Parte do estímulo à criação em arte e tecnologia vinha de diversos setores privado, empresarial e publico. Festivais empreendidos pelas companhias telefônica como VIVO Arte.Mov e Mobile Fest; Festival Internacional da Linguagem Eletrônica, FILE, tendo como fundadores Ricardo Barreto e Paula Perissinoto no ano 2000; Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil criado em 2001; Premiações na área entre 1990 e 2000, como o Prêmio Sérgio Motta de Arte e Tecnologia; eventos internacionais como o  promovido pelo Instituto Itaú Cultural em 1999, Invenção: pensando o próximo milênio de 1999; e editais como o Rumos Arte e Tecnologia do Instituto Itaú Cultural, também iniciado no ano de 1999. Nos anos seguintes o Laboratório de Mídias Interativas do Itaúlab, dando prosseguimento a essa produção, promoveu 6 edições do Emoção Art.Ficial, evento de grande repercussão entre os anos de 2002 e 2012.  

 

  Nesse interstício, entre os anos de 2008 e 2010, houve incentivo governamental brasileiro para a implantação de espaços para criação com software livre. Os centros Casa Brasil, Ponto.labs e outros espaços.BR que incentivaram a criação a partir de softwares livres, e que se distinguiam do modelo dos Mídia Labs que trabalhavam prioritariamente com software proprietário dos Estados Unidos e da Europa, como o Medialab-Prado. 

 

  A implantação desses espaços de software livre decorreu das discussões envolvendo artistas e ativistas nos seminários Cultura para Todos e fóruns virtuais que, já no ano 2003, consistiram nos preparativos para a consolidação do Plano Nacional de Cultura (2010). Paralelamente, a petição vitoriosa para a criação de um segmento específico da arte digital, não mais subordinada ao da Cultura Digital, encabeçada pela artista Patrícia Canetti junto ao Ministério da Cultura, MINC, resultou no setor da Arte Digital representado por ela no Conselho Nacional de Políticas Culturais.

  Doutoramento

  No segundo semestre de 1999, no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica (COS) da PUCSP, minha pesquisa de doutoramento foi discutida na disciplina do módulo III: Elaboração de Projetos — que tratava da metodologia da pesquisa, ministrada por Winfried Nöth. O projeto se intitulava: Telepresença: a interação através do modelo triádico-diádico.  Mais tarde o corpus teórico da semiótica sugerido no título foi abandonado. Entretanto, muito do escopo original, tecnologia implicada, levantamento da historiografia dos pioneiros da telepresença e bibliografia da área permaneceu até a publicação da tese como livro.

 
  No ínterim entre o início da pesquisa e a defesa da tese, sob orientação do Dr. Frank Biocca no Media Interface and Network Design, M.I.N.D. Lab, da Michigan State University, MSU, EUA, estagiei entre 2001 e 2002 como professora visitante com bolsa de doutorado sanduíche da CAPES. A princípio no M.I.N.D. Lab eu deveria integrar os grupos de pesquisa: Teleportal, para interação face a face na Internet2, e Mobile Infosphere, design de Realidade Aumentada para aplicações cognitivas. Além do levantamento bibliográfico sobre telepresença, pude pesquisar em campo formatos diferentes de ambientes imersivos Caves, IMAX Theaters, visitando festivais de arte digital, laboratórios, pesquisadores e artistas.


  A defesa da tese no ano de 2003 se concentrou na arguição da parte teórica. Depois de defendida a tese de doutoramento foi publicada como livro Araujo, Y. R.G. (2005). Telepresença: interação e interfaces. São Paulo: Fapesp/EDUC. Entretanto, descartando-se o design de telepresença que constava do projeto como em anexos na tese: Out of Sight, Out of Mind: The Lover's Bunker. Intimacy Reversed. Longe dos olhos, Longe do coração. O que os olhos não vêem o coração não sente, perdi a possibilidade de criar um evento de presença mais poético. 

 

Site 

  A responsabilidade de preservação dos arquivos acabou ficando com os coordenadores. Entre 2004 e 2006, coordenei o grupo Interações telemáticas, como projeto de pesquisa do departamento de Artes Visuais, UDESC, para criarmos em FLASH o site do Perforum como uma Web Art. O que hoje não é mais acessível por ter sido o FLASH desativado. O grupo era formado pelos bolsistas PIBIC Fabian Antunes Silva, José Elias da Silva Júnior, e Luiz Haucke Porta. Apresentamos os eventos e datas lado a lado, reconstruindo a lista de participantes de ambos grupos do Perforum e convidados nas performances e inserimos mais detalhes quanto ao desenvolvimento dos scripts. A atribuição da autoria do script era mais simples, mas as questões autorais do projeto eram imprecisas por serem os scripts compartilhados por muitos interatores.

 

  A tarefa do site era apresentar os eventos e a pesquisa realizada, preservando uma memória. Também significava refletir retrospectivamente sobre os eventos realizados. Para uma navegação alternativa no site desenvolvi três metáforas. Agrupar as performances enquanto três distintas metáforas trouxe outra perspectiva que não a classificação dos eventos pelo uso telecnológico ou pela linguagem intermídia. A partir das três  metáforas Telefagia, a fantasia do colonizado tecnologicamente, LibidoeconomiaEsquizolinguagens pude resignificar as teleperformances e evidenciar sua contribuição artística. Através das metáforas o projeto prenunciava tendências que hoje se confirmam. Colonização das redes pelas corporações, dependência de estruturas comunicacionais importadas que pouco refletem a cultura local, incentivo a um consumo exarcebado. O uso massivo da presença social através das telecomunicações, não só nas esferas do trabalho e do entretenimento, mas nas relações pessoais online, que traz insegurança, dependência associada ao uso excessivo da comunicação a distância, e o desenvolvimento de patologias  com prejuízo quanto a subjetividade e autoimagem. Ainda, o fascínio que turva a distinção da cooptação de mentes; da capitalização dos corpos, do conhecimento e do amor; dos privilégios do ciberespaço; o que torna pouco provável a descentralização das redes e a formação de “nós” como pontos periféricos.

2. Guadagnini, S.; Fachinello, S.; Guasque, Y. (2007). "Queimando etapas. Do construtivismo na arquitetura e na poesia às mídias digitais: a procura de parâmetros para o entendimento das mídias emergentes e a formação de um público especializado no Brasil". Igarapés. jar-online.net